Que Fossa, Hein, Meu Chapa, Que Fossa...(12)

Adoniran Barbosa é sempre lembrado por suas músicas bem-humoradas e sua pronúncia errada - propositadamente errada.
Contudo, grande parte da aparente graça de suas composições advém da maneira pela qual são tocadas pelo grupo Os Demônios da Garoa, o intérprete oficial de Adoniran.
As letras de Adoniran, em sua maioria, não têm nada de engraçadinhas. Pudera. Filho de imigrantes italianos, vivia de subemprego em subemprego, vivia de bicos, e morava em cortiços, as malocas, espécies de favelas da época.
Suas letras cantavam esse submundo, retratavam os trabalhadores braçais, os analfabetos, os desvalidos. Qual a graça nisso? Qual a graça que pode haver na letra de Saudosa Maloca, nas pessoas assistirem à demolição de seu lar sem terem a mínima noção de onde passariam a residir?
Acontece que Adoniran não faz drama, não choraminga, e, talvez, as pessoas confundam a falta do drama e do choro com bom humor. Não é. O drama está lá, denso e onipresente.
Será que alguém consegue mesmo rir da clássica Iracema? Da Triste Margarida, da Viaduto Santa Efigênia, da Aguenta a Mão, João, da Abrigo de Vagabundos etc etc?
Adoniran não é alegre, nem poderia ser, ele tão somente ri da própria desgraça, que é uma das formas mais profundas de tristeza que conheço. 
Ele registra a conformidade do homem simples frente ao que não entende nem pode controlar ("Cada táuba que caía, Doia no coração, Mato Grosso quis gritá, Mas em cima eu falei: Os homis tá cá razão, Nós arranja outro lugar, Só se conformemo quando o Joca falou: "Deus dá o frio conforme o cobertor"); ele retrata a resignação do impotente, do cara que leva a porrada e não tem como revidá-la, só tentar absorvê-la, remendar as feridas, dar aquela choradinha no travesseiro, que ninguém precisa ver nem tomar conhecimento, e torcer para aguentar a próxima; Adoniran canta a submissão daquele que não tem outra opção a não ser submeter-se ("- Iracema, fartavam vinte dias pra o nosso casamento, Que nóis ia se casar, Você atravessou a São João, Veio um carro, te pega e te pincha no chão,Você foi para Assistência, Iracema, O chofer não teve curpa, Iracema,Paciência, Iracema, paciência").
Se alguém ainda acha Saudosa Maloca engraçada, fuce pela net, encontre a gravação feita por Elis Regina e depois venha me contar.
E para quem acha que é só o homem que sai para comprar cigarro e nunca mais volta ao lar, leiam a letra e depois escutem a música a seguir. Nesta história, é a mulher que sai e não volta mais, sai para comprar o pavio do lampião. Inêz, sua biscate.
Apaga o Fogo, Mané
(Adoniran Barbosa)
Inez saiu 
Dizendo que ia comprar um pavio
pro lampião
-Pode me esperar Mané

Que eu já volto já
.


Acendi o fogão, botei a água pra esquentar

E fui pro portão

Só pra ver Inez chegar.

  Anoiteceu e ela não voltou
Fui pra rua feito louco

Pra saber o que aconteceu.

 
Procurei na Central

Procurei no Hospital e no xadrez

Andei a cidade inteira

E não encontrei Inez

Voltei pra casa triste demais

O que Inez me fez não se faz.

 
E no chão bem perto do fogão

Encontrei um papel

Escrito assim:

-Pode apagar o fogo Mané que eu não volto mais.

Pode apagar fogo, Mané. E paciência, Mané, paciência.

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