O Ilustrador (parte 1)

Saí pelas grandes portas de vidro verde de uma editora de livros infantis com minha pasta cheia de ilustrações recusadas debaixo do braço. Pronto. Caí o mais que pode cair um ilustrador, acho que é o mais, fui recusado para ilustrar as páginas de livros infantis. 
Fui recusado diversas vezes para outros tipos de ilustrações, agora ser rejeitado para fazer uns rabiscos em livros infantis é foda. Foram a geladeira e o estômago vazios e as contas a pagar que me aconselharam a esmolar esse serviço, não devia ter ouvido esses mendigos, nunca devemos dar atenção a mendigos, e agora isso, mais uma recusa. 
Eu sou um ilustrador, dos bons, só que ninguém mais se tocou disso, tenho certificado e diploma de desenho artístico e perspectiva, diploma do Instituto Universal Brasileiro, tem neguinho que ri disso, mas não é pouca coisa, não, garanto que não é qualquer um que passa por todos aqueles módulos, não, e em quase todos módulos eu recebia grau dez dos avaliadores que eu nunca vi, um ou outro grau nove, menos que isso, não. Acho que sempre quis foi desenhar quadrinhos de heróis, cresci vendo os bons, os clássicos, Jack Kirby, Jim Steranko, Neal Adams, Sal e John Buscema, Paul Gulacy, Barry Smith, Frank Miller, só os grandes. Fui recusado, disseram que faltava ação, cinética, sei lá o que é isso, ao meu traço.
Tentei então coisas menores, caricatura era meu caminho, fui recusado, meu traço não tinha a verve, sei lá o que é isso, humorística necessária; parti para tiras de jornais, uma coisa descartável, tosca, fui recusado, minha composição era muito prolixa, sei lá o que é isso, não tinha a síntese, sei lá também que porra é essa, a que se pretende o veículo, pensei em perguntar que merda de veículo era esse, mas não discuto quando sou recusado, sinto uma coisa ruim, mas não há o que eu possa fazer.
Achei que seria fácil com livros infantis, criança se contenta com qualquer rabisco, inda mais essas crianças meio retardadas que ficam lendo esses livros escritos para elas por adultos meio retardados, achei que seria fácil, criança se contenta com qualquer rabisco, mas parece que os adultos retardados que escrevem para essas crianças não se contentam tão fácil, fui recusado, seu colorido não tem a candura, sei lá que porra é essa, que desejamos imprimir aos nossos livros, foi o que me disseram a gorda muxibenta, tentando equilibrar a bunda na cadeira, e o viadinho de óculos de armação retangular e grossa.
Quis perguntar o que era candura, se fosse alguma tinta, alguma cor diferente, eu podia acrescentar no desenho, mas pensar nessas palavras difíceis acabou me dando dor de cabeça. Senti uma coisa ruim; na hora, teria sido capaz de pegar o viadinho e enfiar ele de cabeça na buceta gorda da gorda, mas não havia o que eu pudesse fazer, só o que fiz, foi sair e atravessar as grandes portas de vidro verde da editora.

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