O Ilustrador (parte 3)

Devia ter percebido que minha carreira de ilustrador não fosse talvez tão promissora quando tava fazendo um curso de desenho da anatomia humana e, sem conseguir grandes resultados, ouvi do professor que aquele curso era que nem a escola normal, a escola normal ensina pra gente as letras, alfabetiza a gente, mas daí a ser um escritor é só com a gente, eu gostava desse professor até esse dia, e que o curso de desenho também é assim, ensina as técnicas pra gente, mas ser um bom ilustrador é nosso encargo, outra palavra que nunca tinha ouvido, achei o professor um filho da puta nessa hora, mas achei que ele tinha razão. 
Senti uma coisa ruim, teria sido capaz de invadir a casa desse professor, de amarrar esse professor numa cadeira pelos pulsos e tornozelos, sem amordaçar pra poder ouvir seus gritos e, bem na frente dele, comer a sua esposa, comer de todos os jeitos, esbofetear a cara dela com meu pau e esporrar tudo na boca dela, depois iria embora e deixaria a esposa ir soltar o professor, ir curar as feridas de seus pulso e tornozelos com beijos cheios da minha porra, mas não havia o que eu pudesse fazer, só o que fiz foi passar na secretária da escola e dar baixa na minha matrícula, o professor disse que eu já tô alfabetizado, eu disse pra moça do guichê e fui embora.
Não estava ainda com vontade de encarar a Bernadete, fui passear no Mercado Municipal, no mercadão, gastar mais um tempo, sempre gostei desse lugar, o problema é que vive apinhado de gente, não gosto muito do cheiro de gente, só que lá tem aquele monte de mercadorias que eu gosto de ficar vendo, sacos de pano com grãos, ervas, pimentas, fumo de rolo, queijos, presuntos e peixes defumados, e aí o cheiro disso tudo esconde o cheiro das gentes, fica bom. 
Sentei no tamborete duma lanchonete, pedi uma ampola de cerveja da mais barata e comecei a rabiscar outra folha, uma loja em uma das esquinas do mercado com a frente quase fechada de mercadorias, vidros com pimentas, queijos amarelos de todos os tons, queijos brancos, uns empilhados, outros dentro de uma redinha de barbante pendurados no teto, uns tantos salames juntos, fiquei olhando praquilo e tentando passar pro papel, não consegui, só que consegui foi tomar três ampolas. 
Senti uma coisa ruim, teria sido capaz de quebrar toda a loja, pegado a dona e feito ela mastigar cada uma daquelas pimentas das prateleiras, feito ela comer, comer, até sua boca e sua língua incharem e ela ter oferecido a vida em troca dum copo d’água, mas não havia o que eu pudesse fazer, só o que fiz foi pagar as três ampolas, e fui embora.
Cheguei na casa da Bernadete e a Bernadete me recebeu com aquela cara calma de quem já tinha estado muito brava e perguntou se eu queria jantar, eu fui respondendo as perguntas da Bernadete apenas com movimentos da cabeça enquanto engolia sua comida. Bernadete me levou pro quarto dela, pra relaxar, ela disse, pra esquecer as agruras do seu dia, pensei em perguntar que raio de agrura era essa. Nem o corpo nem os beijos nem as palavras de sacanagem ou o cheiro da Bernadete conseguiram provocar alguma reação no meu pau, ficou lá, murcho, a Bernadete percebeu, desceu até o meio das minhas pernas e abocanhou tudo, caprichou, e era uma coisa triste de ver, a Bernadete lá com aquela carne emborrachada na boca, parecia que tava mascando um chiclete, não teve jeito. 
Bernadete perguntou que merda era aquela, já não era a primeira vez, gritou comigo querendo saber se eu tava comendo outra, eu disse que sim, e nem tava nada, só que assim a conversa acabava mais rápido, eu não tinha como explicar pra Bernadete as minhas preocupações, a Bernadete nunca teve que se preocupar com nada, nasceu rica, casou com marido rico, nunca soube o que fosse isso. 
A Bernadete levantou da cama com os olhos vermelhos e a boca tremendo e correu pro banheiro, deve ter ido lavar o rosto e a boca pra tirar o gosto de pau mole, não deve existir gosto pior do que gosto de pau mole, deve ter um gosto de derrota, deve ser gosto parecido com aquele que fica na minha boca quando meus desenhos são recusados, a Bernadete demorou bastante, não chamei nem fui lá, deve ser difícil mesmo tirar esse gosto da boca. 
A Bernadete voltou com os olhos claros e a boca firme com cheiro de pasta de dentes, tava enrolada numa toalha e disse que se eu quisesse comer outras por aí, ela não ligava, mas quando estivesse com ela, eu tinha que dar no couro, era isso ou eu podia ir embora. Não senti uma coisa ruim nem uma coisa boa nem tive vontade de nada, não havia o que eu pudesse fazer, só o que fiz foi guardar meu pau mole na cueca, e fui embora.
A Bernadete só ficou me olhando sair, sabendo que dessa vez eu não voltava mais, nem eu sabia disso direito naquela hora, a Bernadete sabia, as mulheres sempre sabem dessas coisas mais do que a gente.

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