Pequeno Conto Noturno (31)

- Não entendo o porquê de você ser tão infeliz - Morgana, a se aninhar, nua, nos lençóis amarfanhados da cama de Rubens, cama que ele nunca arruma.
- Tão? Para mim, feliz ou infeliz eram estados absolutos, existe mais feliz/infeliz, ou menos?
- Você me entendeu... - e Morgana esvazia o resto da garrafa de vinho em sua taça, mal preenchendo a metade.
- Eu não sou infeliz - Rubens tomando a taça das mãos dela e dando um bom trago.
- Também não é exatamente pessoa das mais alegres.
- E desde quando infeliz é antônimo de alegre?
- E não é? - Morgana deita de bruços ao lado de Rubens, pedindo por cafuné feito um pássaro preto, desses de gaiola.
Morgana tem asas de libélula tatuadas nas costas. Quatro. Duas a brotar de cada espádua.
- Não, não é - prossegue Rubens -, o contrário de alegre é triste, não infeliz. Triste, um tanto, admito que eu seja.
- E dá pra ser triste e não ser infeliz? - Morgana se enrodilhando toda e ronronando sob o cafuné de Rubens, tem mulher que quase goza com cafuné.
- Óbvio.
- Não parece óbvio para mim.
- É que você não é uma coisa nem outra.
- Você me entendeu...
- Digamos que eu seja triste, entre outras coisas, por você não poder estar sempre aqui; e que não chego a ser infeliz justamente porque recebo suas visitas clandestinas, vez em quando.
- Está dizendo que sou parte de sua tristeza e também de sua não-infelicidade?
- Estou.
- Gostei, achei bonito.
- Eu também.
- E é verdade? - Morgana, a olhar para o copo seco e para os olhos, idem, de Rubens
- Vai lá buscar outra garrafa na geladeira, vai - diz Rubens.
E fica a contemplar a bunda de Morgana, saltitante, lépida em direção à geladeira. 
As mulheres sempre tentam estragar tudo com suas perguntas, pensa ele. O segredo não é saber o que responder às mulheres, o segredo, conclui Rubens, é aprender a não lhes responder.
E fica a admirar os peitos de Morgana, saltitantes, céleres, de volta em sua direção.

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