POR QUE TÃO SÉRIO?

- Por que choras, Curinga?
Da corte, não és o bobo?
Por nós, ser louco não é o teu encargo?
- Por que dizes que choro?
- Essas gotas de teus olhos...
- Há! Se julgas serem lágrimas, te confundes.
- E o que são?
- É minha loucura que se liquefaz e se funde,
Minha insanidade que escorre,
Que de tão plena não me cabe.
É meu histrionismo destilado.

- Mas e os cantos da tua boca que não mais se elevam,
E esse sorriso de ponta-cabeça, pendente, sisudo e grave
Que cede à força da gravidade?
- Bobagem tua!
Só errei um pouco no contorno do batom,
Só borrei um pouco a maquiagem.

- Sei... e essas unhas roídas, essas cutículas comidas,
Esse retorcer de dedos,
Esse estalar frenético das juntas?
- São parte das minhas traquinagens,
Da minha mise-en-scène,
Das minhas momices, minhas micagens.

- E esses olhos arenosos de quem há muito não dorme,
Essa face de crateras profundas,
Essas olheiras roxo-figo de quem há muito não sonha?
- Ora, se te dizes meu amigo, deixe de perguntas enfadonhas.

- E esse rombo?
Essa boca desdentada,
De gengivas a minar sangue e pus,
Que se abre em teu peito?
- Basta, maldito!
Pegaste-me de jeito, é o que queres ouvir?
Pegaste-me, eu admito.
Cessa com tuas judiarias.

- Algo errado tens...
- O que tenho é que sou um Curinga.
Sou nada e o Universo,
Sou Dr. Jekyll e Mr. Hyde,
Sou Hulk e Bruce Banner,
Hermes e Afrodite.
Nunca notaste como pareço Pierrot e Arlequim?
Sou Álvaro, Ricardo, Alberto, Fernando e Bernardo...
Todos dentro de uma mesma roupa,
Todos se disfarçando na mesma fantasia.
Sou uma dinastia de fantasmas,
A rondar e penar pela mesma casa,
Pela mesma casca vazia.
( Fim do “diálogo”.
Minutos após o qual,
Ouve-se o brutal estilhaçar de um espelho ).

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