A Inconfidência Das Coxinhas

Quem passa as vistas de vez em quando por aqui, sabe que sou professor de escola pública e também, pelas minhas perorações, das profundas "admiração" e "simpatia" que nutro pela classe professoral a grosso modo. Sobretudo por seus fulgurante estandarte de luta e inquebrantável espírito combativo.
Já presenciei - e fico sempre atônito e embasbacado - batalhas memoráveis da categoria em prol da real qualidade de ensino e da melhoria da prática de aula, individual e coletiva.
Recordo-me da briga pela instalação de um purificador de água na sala dos professores, foram reuniões e mais reuniões, disse-me-disses e mais disse-me-disses até atingir a vitória, e ela veio, cansativa, mas nada esmorece a classe professoral paulista; recordo-me também, e quase me vêm lágrimas de orgulho, da peleja pelo forno micro-ondas, mesas redondas e fóruns se estenderam indefinidamente à questão de tão fundamental tema, e a vitória veio, de novo.
Hoje foi deflagrado mais um desses vitais conflitos da Educação, que, tenho certeza, ainda dará muito pano pra manga, ainda será objeto de muita análise e debates.
Chamarei a essa legítima luta da classe professoral de "A Inconfidência das Coxinhas".
Começarei o relato de mais esse épico docente tentando me fazer sucinto, que conhecido não sou pela minha paciência.
Hoje, os terceiros anos do ensino médio promoveram a "Festa dos Cem Dias" (até me convidaram, mas como eu só podia ficar dois dias, declinei do convite), em comemoração aos últimos cem dias do ano e, no caso dos terceiros anos, os últimos cem dias deles na escola; na verdade é mais um artifício para aquilo que o nosso "estudante" mais gosta de fazer, matar aula, mas, me apegando à sucintez prometida, não discutirei isso por ora.
A festa contou com trajes especiais, um DJ a tocar o que hoje eles chamam de música, refrigerantes e salgadinhos. Tudo transcorreu dentro do caos previsto e anunciado, a festa era só para os terceiros anos, mas o quiproquó acabou por impossibilitar as aulas nas outras séries.
Finada a festa, os salgadinhos não consumidos foram doados aos professores pelos alunos, sabedores que são do apetite de nuvem de gafanhotos de seus mestres. E foi aí que a desgraça começou a se dar.
O excedente dos quitutes foi confiado às mãos da equipe gestora, ops, digestora, para que essa procedesse à igualitária distribuição entre os diversos setores famintos da escola. Que ingenuidade de nossos pupilos!
Na surdina, os salgadinhos, feitos butim de guerra, foram conduzidos para as criptas da secretaria, onde se prestaram a matar a fome de mandruvá da equipe administrativa, e nada para as professoras. Os burocratas comeram tudo o que puderam, e o que não deram conta de, provavelmente foi acondicionado em sacolas e bolsas e levado para as respectivas residências à guisa de almoço para maridos e filhos, e nada para as professoras.
Mais um duro golpe na sofrida categoria docente, atingida onde lhe é mais dolorido, no estômago, orgão do qual extrai todo o seu prazer sexual.
Inconfidência! Perfídia! Traição em mais alto grau! Digna de corte marcial, forca e esquartejamento, pelo Código de Ética e Conduta Docente.
Enquanto isso se desenrolava, eu estava alheio à realidade, dando aula , e a quem trabalha não sobra grandes tempos de saber do mundo. Soado o sinal das 12h20, a anunciar o fim do período, fui guardar meu material e encontrei a sala dos professores em rebuliço, em pé-de-guerra.
Tentei passar incólume pela polvorosa, só queria guardar meu material, pegar meu filho na escolinha, ir para casa e, com um pouco de sorte, dar uma cochilada vespertina, não queria saber o que estava se passando.
Não houve maneira. A mim nunca não foi concedido o sacro direito à ignorância. As pessoas chegam até mim para contar das coisas, ávidas por ouvir meus sensatos e abalizados pareceres sobre as mais variadas e inusitadas situações.
Fui posto a par de tudo e um segundo de silêncio se sucedeu, à espera de um pronunciamento. Queria ficar quieto, não tive escolha, porém. E mandei ver, disse que, por mim, esse povo todo podia morrer entalado com um croquete no cu e uma salsicha empanada na boca, no que arranquei alguns risos da plateia. Maldade minha? Não, asseguro que não. Acreditem-me, elas morreriam felizes.
Aproveitei ainda para tornar público meu apoio à causa, disse que era isso mesmo, que era pelo direito aos salgadinhos que o professor tinha que brigar; os risos não vieram dessa vez.
Saí, deixei-as lá, de estômago vazio, a ponderar sobre minhas sábias palavras. Haverá a trégua do fim de semana, mas a luta continuará na segunda-feira. Na certa, será pauta do HTPC. E se não for, eu reconduzirei a questão à baila.
Puta que o pariu !!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Mas uma luz se fez ao fim do dia. O supermercado aqui perto de casa está com uma promoção de cervejas, a garrafa de 600 ml (a famosa ampola) da Bavária está saindo a R$ 1,35.
Quão oportuno.

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