Pequeno Conto Noturno (16)

Samira dorme na cama de Rubens, barriga para cima, pernas semiabertas, lençol cobrindo a direita e negligenciando a esquerda. Dorme segura, sob a contemplação de Rubens, sentado na velha banqueta de sua velha mesa, uma dose de vodka-cola já pelo fim, a transpirar na superfície de fórmica.
Samira sonha, e Rubens, de certa forma, também. Aos sonhos de Rubens, temos acesso : Samira é agradável, sabe bem conversar, tem um corpo confortável, traja-se com uma discrição há muito esquecida. Poderia manter Samira ali por muito tempo, uns bons e longos anos, pensa Rubens.
Não fosse o que sempre põe tudo a perder. Não fosse o sexo. A inventada necessidade do sexo, a obrigatoriedade do, o mito.
Samira resolvera fazer "jogo duro", decidira liberar o sexo só após o terceiro encontro com Rubens, hoje, no caso; algumas vodkas a mais, porém, puseram-na fora de combate. Rubens não achou ruim. Samira durará mais tempo assim. Rubens considera que poderia conservá-la ali para sempre, em sua hibernação, pensa que Samira seria ótima companhia para a longa hibernação que é a vida.
No entanto, Samira acordará e quererá sexo - daqui a instantes ou pela manhã. E geralmente Rubens consegue fornecê-lo a contento para suas mulheres; ele estará pronto para Samira, acorde ela a hora que for, estará a postos para lhe proporcionar um bom sexo, hábil que o tempo o tornou. É ciente, contudo, da erosão que o sexo começa a impor a partir da primeira trepada, o sexo demarca seu latifúndio, crava seus mourões, estica seus arames farpados e, em pouco tempo, talvez em umas poucas semanas, Rubens terá que mandar Samira embora.
Ele toma o último gole de sua vodka-cola, já meio morno, e vai à cozinha preparar outra dose.
Talvez tenha sido o barulho do gelo contra o inox da pia, ou talvez tenha sido simplesmente a hora do ciclo recomeçar :
- Rubens... -, Samira chamando com uma voz espreguiçada e lânguida, saída de algum lugar entre a faringe e o Onírico.
Rubens termina de preparar sua dose, misturando tudo com o dedo, e se põe a fazer uma segunda, a de Samira.
Dirige-se para o quarto com os copos na mão.
Já pensando em Samira com uma enorme saudade.

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