Amanhã, Eu Tento de Novo

Todas as noites,
No capão ermo dos meus sonhos,
Em frente à tapera eremita dos meus desejos,
Acendo a minha fogueira
Com galhos caídos de angico,
Peroba,
Jatobá.
 
Sento-me ao chão,
De pernas cruzadas,
Tomo da minha cerveja
E fico a olhar a madrugada
Pelo filtro da cortina de convecção
Que sai de suas labaredas.
 
Espero pelo chegar de uma jaguatirica
(Escuto, amiúde, os miados dela nas brenhas),
Tenho sempre um peixe ao meu lado,
Uma tilápia pescada na lagoa cheia de taboas,
Para jogar-lhe às suas quatro patas almofadadas,
Em oferenda.
 
Espero pela visita do Curupira
(Encontro, amiúde, suas pegadas dúbias no meu quintal),
Tenho sempre um bom fumo de rolo
E uma cachacinha de amburana
Para lhe fazer sala e levarmos um dedo de prosa.
 
Espero pela vinda dos vaga-lumes 
(Vislumbro, amiúde, seus relâmpagos sem trovão junto à nebulosa de Órion),
Tenho sempre um quarto de galão de querosene
Para ofertar-lhes como combustível 
E um lampião,
Que um dia já foi uma brasa,
À espera de que com ele acasalem.

Espero pela aparição da coruja
(Escuto, amiúde, o rufar de suas asas a espanar a poeira de minha biblioteca),
Tenho sempre o ombro
Para lhe oferecer em poleiro,
Para que ela me inocule
Com a peçonha da sabedoria de Palas-Atena
Que carrega em suas garras.

Espero...
Mas só quem chega é o dia.

Espero...
Mas o breu dos céus
Logo é lavado,
Logo é varrido,
Pelo jato, pela torrente de luz da manhã
Saída da mangueira de água
Da velha que acorda às 4 da manhã
Para lavar a calçada.

Acordo, também.
Respiro fundo e digo :
Amanhã, tento outra vez.

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