É a Podridão, Meu Velho (4)

Como posso saber
Se minhas mãos são as de um velho
Se não as recordo
De como eram
Quando eu era um jovem?

Vejo que,
Comparadas aos brotos verdes
Tenros e vicejantes,
Que são as mãos do meu filho,
São galhos ressequidos
Tortos, cascudos,
Mas não me lembro de que verdejantes 
Tenham sido um dia.
Não me lembro de que um dia
Eu tenha sido o filho,
De dedos curiosos,
Com quem meu pai tenha comparado,
Como faço hoje,
Suas fatigadas articulações.

Dizem-me que já fui um bebê,
Criança, jovem
Minha mãe, minhas tias velhas, fotos em preto e branco
Ecos em algum espelho perdido...
Acredito-lhes como a contos de fadas.
Só me lembro de como sou hoje.

Olho para meus cabelos
E nunca os vi menos brancos,
Para os meus olhos
E nunca com menos olheiras
Menos roxos e empapuçados,
Para a pele
E nunca menos sulcada e macilenta,
Para o pau 
E nunca numa angulação maior da que ele alcança hoje.

Nasci com 50 centímetros,
Mas é como se sempre tivesse tido 50 anos.
Não me lembro da dor nem do sabor
De cada centímetro crescido,
Ou de cada agosto adquirido.

E dou vivas à natureza, por isso.
Que, se por um lado,
Não pode nos presentear com a imortalidade,
Com o eterno vigor da juventude,
Por outro, nos ressarce com igual dádiva :
A fraqueza da memória.

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