Pequeno Conto Noturno (57)

- Rubens - começa Virna, em tom interrogativo -, está tudo assim tão diferente, o que mudou?
- Quase nada - responde Rubens, emborcando e secando a garrafa de rum e olhando para Virna através do filtro âmbar do vidro -, irrelevâncias... é só que, antes, eu tinha superpoderes; hoje, não consigo ir até a esquina sem que meu joelho doa.
- E os superpauderes? - pergunta Virna, acabando com sua cerveja e chacoalhando o pau de Rubens.
Superpauderes... Rubens ri pra caralho!
- De uns tempos para cá, fora a sua e mais umas duas ou três, toda buceta virou kriptonita.
Agora, Virna é que ri de montão.
Como não amar um homem desses?, pensa Virna, se recuperando ao poucos do riso.Vaidoso de seus fracassos e de sua decadência, cuja força reside em seus pontos fracos, cujas conquistas são frutos de sua falibilidade e cuja graça e charme vêm do seu amargor e desajeito? Como não amar Rubens e querer ficar sempre grudada a ele? E como, depois de algum tempo, não odiá-lo e não querer nunca mais vê-lo?
- Mas e esse joelho fodido, aguenta ir até a cozinha e pegar outra cerveja pra Virnazinha aqui, toda sedenta?
- Nem que eu tivesse que me arrastar, baby, nem que eu tivesse que me arrastar.
Rubens veste a zorba azul frouxa, que deixa sempre escapar a bola esquerda de seu saco, e vai à geladeira. A memória de Rubens cantarola, você lembra, lembra, daquele tempo, eu tinha...
A de Virna, agora era fatal, que o faz de conta terminasse assim... 

Postar um comentário

0 Comentários