O Amado de Calíope

Toma minha mão, amado.
Ainda tens coragem?
Teve algum dia?
Terá?

Estás a ver o alto daquele prédio, amado?
Que deu vertigem no King Kong
(ou aquele buraco na árvore que tonteou Alice)?
Ainda és capaz de trepar nele
Feito em goiabeira
Ou jabuticabeira de tua infância
(ou de mergulhar nele feito na piscina do clube na qual, após assistires a Tubarão, nunca mais ousaste abrir os olhos)?
De não saberes do chão
Ávido por tua queda
Por teus ossos
Por tua alma
(ou da Rainha voraz pela tua cabeça)?
És ainda capaz de sobrepujá-lo
De um único salto
Mais rápido que uma bala
Confundindo-te com um pássaro ou um avião
(ou de planar leve em suave aterrissagem, papel avulso na ventania, esquilo voador)?
És ainda gato montanhês
Capaz de escalar meu escarpado 
E caprichoso colo
E nele fincar tua bandeira
E montar acampamento
(ou és Gato de Cheshire, somes e fica apenas o teu sorriso em mim)?

Estás a ver aquele escuro, amado?
Ainda vens comigo?
Ainda és capaz de rir
Quando as bússolas estão perdidas
Quando as placas estão trocadas
Quando o pombo-correio não encontra o endereço?
Quando as velas e os lampiões
Por medo
Calam suas chamas?
Ainda és capaz de comandar telepaticamente teus pirilampos
Tuas águas-vivas
Tuas medusas de neon?
És capaz ainda de sentir e de se guiar
Pelo meu cheiro
Pelo meu cio
Pelo meu grito por ti?

Estás a ver, amado?
As mesas pingando de sono nos bares a fechar
E as mesas mal-humoradas e ainda com mau hálito e com olheiras
Das padarias recém-despertadas?
És ainda capaz de me convidar
Para a última cerveja da noite
E para o primeiro café do dia?
Ainda és capaz de me oferecer um rock'n'roll e uma Lua cheia,
Uma canção de ninar e uma Aurora Boreal,
Um motivo para choro e um cafuné?

Toma minha mão, amado.
Ainda tens coragem?
Teve algum dia?
Terás?

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