Boneco Vodu do Azarão

A nuvem negra que me acompanha desde o berço feito um zeppelin, de uns tempos para cá, resolveu fazer mais que apenas sombra à minha imensa cabeça. Resolveu ligar seu esmeril, derramar suas faíscas, arremessar seus certeiros raios de Zeus. Resolveu ribombar sobre mim como os batuques do Olodoum - que é castigo muito maior que os raios de Zeus, ou que qualquer outro jamais imaginado e infligido pelos deuses a um mortal.
O mar não tá pra peixe. Ah, um urubu pousou na minha sorte...
De abril para cá, é uma peste atrás da outra. 
Primeiro foi uma puta duma gripe, que se não era a suína, no mínimo, era equina. Cavalar, mesmo. Temperaturas próximas às do Saara (durante o dia, claro) durante quase uma semana. E dá-lhe dipirona, e dá-lhe anti-inflamatório, e, o pior, dá-lhe cerveja sem álcool.
Passada a gripe, o seu rescaldo : mais quase um mês de sinusite. Junto à sinusite e às temperaturas mais amenas de maio/junho, uma dor aguda começou a se manifestar em meu penúltimo molar do quadrante inferior direito. Atribui-a à sinusite ou àlguma nevralgia desencadeada pelo frio.
Passou a sinusite, passou o frio (na verdade, ele mal chegou esse ano) e a dor continuou lá, uns dias mais, outros dia menos, mas lá, e somente durante a mastigação. Fui à dentista, que fez lá uns testes de sensibilidade à temperatura, atacou meu dente com frio e calor, com frio e calor, e eu tendo que dar uma de macho, tendo que responder se doía, quando, na verdade, tava doendo pra caralho!!! O quente dava uma puta duma ferroada. Raio-X e lá estava : um canal a ser feito. O primeiro de minha vida, o primeiro em quase meio século. 
E lá fui eu para outro dentista, um endodentista, um cara muito gente boa e competente, tratou direitinho o canal e disse que, provavelmente, uma mordida muito forte fora a responsável por ofender o canal, tudo indicava que eu estava com bruxismo. Hoje, durmo com uma placa nos dentes. Quanta viadagem depois de velho.
Tenho cá pra mim que a ocaso do macho começa com a ruína de seus dentes. Machos-alfa de lobos e leões, quando começam a quebrar e perder a dentição, evitam contato muito próximo com os outros machos do bando, escondem o quanto podem esse sinal de fraqueza, pois, uma vez descoberta, fará com que ele seja desafiado pelos mais jovens do bando e, fatalmente, deposto. E os meus começam a se ir.
Mal passara o trauma do tratamento de canal e julho chegou com um reforma : troca das portas do apartamento e quase que uma demolição dos dois banheiros. Já no segundo dia da reforma, quando fui carregar um saco de entulho para fora, a ponta longa e fina de um azulejo se insinou por entre as malhas de juta do saco e, cortando como navalha de malandro, abriu uma verdadeira boca no meu joelho direito, à altura da patela. Sangue a rodo, oito pontos, antitetânica e antibióticos. E mais cerveja sem álcool. E um belo dum quelóide de recordação. Pele de velho não tem mais o mesmo poder de regenaração.
Agosto passou relativamente tranquilo, só o velho e eterno cansaço. 
Aí, segunda-feira dessa semana, uma leve dor - que há tempos faz companhia ao meu joelho esquerdo -, dessas dorzinhas que a gente tem quando passa muito tempo sentado e se levanta de repente, ou quando faz um esforço um pouco maior que o normal, dessas dorzinhas à toa, resolveu se intensificar.
Eu bem queria dizer que era daquelas dores latejantes, afinal, a dor latejante passa a metade do tempo não doendo. Feito aquela história do português que foi para trás do carro do amigo, ver se a lanterna do pisca está funcionando : "agora está, agora não está, agora está..." 
Mas era dor inédita para mim, contínua, sem dar folga, ardia, queimava o lado de dentro do joelho. Foram dois dias sem dormir, sem arrumar posição na cama. O primeiro médico por quem passei fez o raio-X e disse que não era nada. Como não era nada? Eu com uma dor filha da puta e ele dizendo que não era nada? Realmente, a dor da gente não sai no jornal; nem no raio-X. 
Comuniquei-lhe que trabalho em pé o dia todo, perguntei, já com vistas a uns dias de folga, se isso não agravaria ainda mais a situação. Disse que não. Pedi-lhe que receitasse, então, anti-inflamatório e analgésico mais fortes. Também disse que não era necessário. Diagnóstico : lesão biomecânica sem origem defiinida. Ou seja, o filho da puta não sabia picas do que estava falando. Fui trabalhar no dia seguinte e, a se cumprirem os prognósticos do médico, claro que o joelho piorou. Dez vezes. Travou. Impossível sequer dobrá-lo.
E lá fui eu, médico, de novo. Desta vez, dei sorte, dei de cara com um médico de verdade. Apalpou meu joelho aqui, ali, olhou a radiografia e mandou na lata : tendinite da Pata de Ganso, um conjunto de três tendões. Deu-me atestado para três dias de repouso e um anti-inflamatório bem mais forte. De forma que a dor havia em muito mitigado na quinta-feira e, finalmente, pude dormir a noite toda. Provavelmente terei que fazer fisioterapia etc. Tendinite é para a vida toda.
E não é que, ainda em tratamento que estou para a pata de ganso, acordo na madrugada de hoje (sexta para sábado) com uma tosse do caralho, a garganta arranhando e febre? Outro gripão. Passei o dia todo com o corpo ruim, cabeça pesada, febre de 39ºC. O bom é que até esqueci um pouco do joelho.
Pãããããta que o pariu!!!!! Uma doença se encavalando na outra. Isso, como diria meu amigo Fernandão, só pode ser praga de puta. Nesse caso, cometerei a heresia de discordar de meu escolado (e escaldado) amigo. É algo muito pior.
Isso só pode ter uma explicação : alguma vagabunda que eu não comi deve ter feito um boneco vodu meu. Em tamanho natural. Com uma benga gigante. E trepa com ele todo dia! Tanto azar, só pode ser isso, um vaca trepando com um boneco vodu meu.
Entrei em contato com meus escusos contatos e eles foram às ruas, a investigar, à cata de indícios que corroborassem minhas suspeitas. Desceram ao submundo dos bares mais mal frequentados, das bocas mais quentes, dos becos mais escuros, invadiram computadores, navegaram nas águas pestilentas da deep web
Finalmente, trouxeram a prova. Um boneco vodu do Azarão foi mesmo confeccionado. Ei-lo:

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4 Comentários

  1. À medida que fui lendo esse texto, fui ficando mais confuso. Afinal, em uma bolsa de aposta das improbabilidades mais definitivas, a crença do Marreta em “forças ocultas” seria um puta azarão. Só no final é que eu saquei que o ateísmo continuava intacto.

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    1. Nos deuses etc, eu realmente não acredito, mas em praga de puta, sim. E morro de medo!!!

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    2. Ééé amigo... Como diz meu avô: "Aroeira quando começa a dar cupim, das coisas anunciam seu pobre fim".
      Outra... E sou eu depois que não saio de médico? Que tenho ossos de vidro? Tô achando é que rolou um entreolhos com O recepcionista do local... kkkk
      Abraços.

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    3. Grande Waldir...
      Muito sábio, o seu avô.
      E tá mais do que na hora de você se formar em médico, para atender e arrumar uns atestados para esse seu velho professor.
      Abraços

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