Carta ao Amigo Leitinho

Meu amigo, eu vou te contar, estou tão triste, me perdoa se eu chorar...
Pois é, velho camarada Leitinho, o que impulsiona minha pena, desta vez, não é, a exemplo do Tim na canção supracitada, o abandono da amada, não é a dor de corno, embora minha dor seja tão legítima quanto. Talvez até mais, e maior.
É que ontem, exatamente à meia-noite, talvez dois ou três minutos apenas passados das doze badaladas "notúrnicas", nada mais é exato nesse mundo, acessei minha caixa de e-mails e estava lá uma rara missiva virtual de nosso outro velho camarada, o Marcellão, o homem que é metade homem e metade pau.
Abri-a. E o texto, econômico nas palavras que sempre foi nosso amigo, dizia tão somente : É o Ragnarok.
O tom do e-mail era de brincadeira, claro, mas sabe como são os velhos camaradas, não é, Leitinho? Machos das antigas que somos, não ficamos por aí externando nossas sentimentalidades, valemo-nos da pândega e da galhofa como forma de exprimir nossa genuína preocupação. A zombaria é nossa maneira de expressar nosso afeto. Coisas de macho.
É o Ragnarok, dizia o Marcellão. O Ragnarok, se bem te lembras, Leitinho, velho amigo, é o apocalipse nórdico. Iniciar-se-á quando a viril Espada de Odin, desiludida e desconsolada da vida eterna, e sem um viagra que a alente, amolecer e escorrer de sua bainha. E aí fode tudo, velho camarada, daí para frente é uma reação em cadeia. Secam os ramos da árvore Yggdrasil, em cada qual viceja um dos nove mundos, entre eles, Asgard e Midgard (a nosso boa e velha Terra), a serpente Jothuein emerge das profundezas, enlaça todo o planeta e, em combate feroz contra ela, o poderoso Thor e sua marreta Mjolnir também vão pras picas. Não sobra pedra sobre pedra, mundo sobre mundo, dimensão sobre dimensão.
Em anexo à lacônica e enigmática mensagem - é o Ragnarok -, duas fotos. Baixei-as, as fotos. Asseguro-te, velho camarada, que preferiria o nórdico cataclismo ao que vi.
Estavas lá, nas fotos, no que me pareceu ser o hoje tão profanado ambiente de uma sala de aula. Travestido de ratinha Minnie em uma; de bruxa Malévola em outra. O que hoje é chamado de cosplay. Cosplay depois de velho, velho camarada? E ainda cosplay da Minnie e da Malévola? Que embichamento é esse, velho Leitinho?
Eu até poderia entender, velho camarada, afinal, cosplay não havia em nossa época de jovem, e talvez estivesses apenas aproveitando a oportunidade para preencher essa lacuna da adolescência. Mas de Minnie e Malévola?
Apoiar-te-ia, e até juntaria-me a ti, caso tivesses aparecido cosplayzado de Homem Aranha, de Batman, ou, ainda, de um dos teus preferidos (e só por ti conhecidos) : Nova, Cometa e Paladino. Mas de Minnie e Malévola, velho companheiro?
E no caso da Minnie é que a porca torce mesmo o rabicó. O problema central, visceral, nem é o laçarote rosa com bolinhas brancas a ornar teu tão descapilarizado cocoruto. O sintoma maior, quase que terminal, é o biquinho que fazes para o registro digital da ocasião. Biquinho que talvez remeta a uma ascendência francesa, quem sabe gaulesa, e com o qual, em certa feita, tentaste, sem êxito, impressionar àquela vendedora parisiense da Mr. Cocker.
Pus-me, então, e já eram trinta e poucos minutos de um novo dia, a relembrar nosso glorioso passado, ao qual, parece-me, renegaste, pus-me a garimpar indícios que pudessem fornecer pistas que justificassem esta tua atitude, de forma a não macular a boa imagem que tenho de ti.
Lembrei-me, com sincera e pungente nostalgia, dos Anos-Novos passados na casa do vô Pebim (imaginaste o velho Pebim vendo-te assim, de Minnie?), das dezenas de cartas - de papel, envelope e selo - trocadas entre nós, dos gibizões que líamos, dos vinis e fitas Basf que compartilhávamos, das incontáveis tardes passadas na padaria do Joaquim, junto ao Marcellão e regadas a Coca e salgadinhos Elma Chips (já pensaste no Joaquim, no Rodrigo e no César, vendo-te assim, de lacinhos e biquinhos?), dos pornozões nos cines São Paulo e Comodoro - o finado Quinzinho era o lanterninha, sempre a iluminar e denunciar os punheteiros -, dos porres de cuba libre, das noites na extinta boate boca de porco Califórnia Disco Laser.
E, acima de tudo, velho camarada, da batalha intergaláctica que travamos, eu, você, o Marcellão e o César, a ultrassecreta Guerras Secretas, em 1989. Exatos 25 anos se passaram das Guerras Secretas. Exatos 25 anos que sobrevivemos aos ardis e maquinações do Beyonder, do Tritão e do pior deles, do mais impiedoso predador do multiverso, o Papa-cu (beep-beep!!!), com altivez e galhardia.
E é assim que honras o Jubileu de Prata do nosso histórico de guerreiros interdimensionais? Travestindo-te de Minnie e de Malévola?
Lembrei-me a seguir, e quase uma da matina já se fazia, a tentar ainda justificar o teu desbunde, da tua predileção, em tenra infância, pelo universo Disney. Lembrei-me de que colecionavas e completavas álbuns de figurinhas - 256 cromos ou mais -, possuías todos os volumes de Disney Especial. Mesmo assim, não obtive em minhas reminiscências lenitivo para a minha estupefacta alma.
Ainda que, perto do teu cinquentenário, tenha preterido os universos Marvel e DC ao Disney, opções mais machas de cosplay terias : Superpateta, Vespa Vermelha, Superpato, Morcego Vermelho e, o que parece a mim que mais lhe caberia, o Professor Pardal, visto que em emérito doutor em Química te graduaste com louvor.
De onde, esgotadas todas as mencionadas possibilidades, sobrou-me, desgraçadamente, duas hipóteses.
Primeira, a tua recente viagem à Amazônia. De alguma forma, a tepidez, a umidade e a malemolência equatoriais devem ter derretido-te os miolos, causando profunda alteração dos teus normais sentidos e, consequentemente, da tua até então sempre reta visão de mundo.
É que estiveste uns dias numa onda diferente, e provaste tantas frutas que me deixariam tonto. Sei que manuseaste enorme e grossa sucuri, que tomaste contato com o temível candiru, e que, embora negues, provaste da alucinógena e afrodisíaca cachaça amazônica, a Pau do Índio, mais transformadora que o próprio Santo Daime.
Segunda, de origem muito menos poética e mística, é que estás a fazer demasiadas visitas ao teu urologista, pelo bem de tua próstata, estás a pedir uma segunda opinião médica, uma terceira etc.
Aguente-te firme, velho camarada. Segure essas pregas.
Hoje mesmo liguei para o Marcellão e uma reunião extraordinária da Liga da Justiça, apenas entre mim e ele, foi marcada para esta quinta-feira. O conciliábulo se dará na famosa Sala 100, sede de poder do Marcellão, e nele discutiremos estratégias para o teu resgate, supondo-o possível. Aguarde notícias, velho camarada.
Enquanto isso, tome tento! Vira homem, Leitinho! Que tudo é uma questão de manter a mente quieta, a espinha ereta, e a rosca tranquila.
 "Na parede da memória, esta lembrança é o quadro que dói mais."

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8 Comentários

  1. Putz grila...lá vem ele com a estória do Pau de índio de novo...ninguém merece!!!!!!!!!!!!!

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    1. Rapaz, e ainda não acabou não. Você vai ter que nos dar, a mim e ao Marcello, muitas explicações para essa perobagem.
      Aguarde-nos

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  2. Parafraseando Zé Trindade:

    O que é a natureza ...

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    1. Pois é, Blogson...
      Miso Gino ficou bom, mas cuidado, misógino é o que tem aversão a mulheres. Quem tem aversão, fobia ao gênero humano como um todo é o misantropo.
      abraço

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    2. Eu não faço a menor ideia do que está falando! Who is Miso Gino? Além do mais, eu, pelo menos, não tenho aversão ao gênero humano (embora concorde com meu filho quando disse que o ser humano é um vacilo da Natureza), menos ainda às mulheres. Eu tenho é introversão e timidez patológicas. Para conviver com o restante da humanidade ao vivo e a cores eu criei um personagem fictício que é o "gente boa", que só fala besteiras, que trata todo mundo super bem. Mas não criei (nem pretendo) nenhum personagem virtual. Eu sou como um urso hibernando. Eu jamais conseguiria me expressar assim de viva voz. Bom, devo estar pagando mico, pois nem sei se o comentário que fez era dirigido a mim, pois não sou o autor do trocadilho. Misógino? Tô fora!

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  3. Calma lá que Miso Gino não é radical. Apraz-lhe uma bucetinha, uma bundinha ou um peitinho.

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