Hoje Eu Tenho Apenas um Buraco Negro no Meu Peito

Madrugada.
Eu protelo,
Eu prevarico do sono
E
Como não fumo e não rezo,
Mato o tempo
A emborcar vodkas-tônica,
A ouvir tangos feitos para a Tereza,
A assar pães de linguiça,
E a assistir videoclipes
Do Zeca Baleiro
Da Marisa Monte
E da Fernanda Takai.

À espera da erupção do teu perfume
(Do teu; não dos comprados em perfumarias, com os quais te camuflas à multidão),
Da avalanche de neve dos teus sorrisos
(até com tuas orelhas, tu sorris),
Do ofuscar revelador dos teus holofotes
Com pequenas Luas cheias
No lugar dos leds halógenos,
Das pantufas e da lareira do teu túrgido e generoso colo.

Mas cada vez menos
Me surges,
Me bates à porta dos meus umbrais,
Em oferta e sacrifício,
Para que eu possa seguir a escrever de ti
(o único motivo de eu ter me bem alfabetizado e preenchido incontáveis cadernos de caligrafia).

Cansaste-te,
Na certa,
Dos meus bilhetes
Entre as folhas do teus cadernos
Que te seguiram do primeiro rabisco para além do be-a-bá,
Infiltrados nas divisões separavam
A matéria de história da de biologia.

Cansaste-te
Dos meus correios elegantes,
Dos meus pombos-correios,
Dos meus versos
Que eu mandava para um bando de garotas.
De orbitar-me em rotina de dona de casa,
Dos meus blefes,
Do meu com de iludir
(como podes querer que o poeta vá viver sem mentir?).

Cansaste-te
Dos meus quereres covardes :
Da farsa impotente
Que sempre fui.

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