O Mugido Do Rebanho

Algumas espécies - marcadamente a humana - têm poderosos componentes gregários em seu genoma. Genes que possibilitam aos seus portadores fazerem concessões absurdas ao coletivo, e mesmo aceitarem como naturais as sandices das relações em bandos. Genes que conduzem seu portador a matar sua identidade individual em troca de uma carteirinha de sócio do grei; e, pior, achar isso bom e desejável.
Os genes gregários produzem em seus portadores o desejo irrefreável de sentirem-se parte de uma estrutura maior, incutem-lhes uma urgência visceral de se dizerem uma engrenagem de um mecanismo, ainda que o resultado do processo beire a idiotia. Que é o que sempre ocorre : todo bando é idiota e ridiculo.Os genes gregários minimizam o sujeito, tolhem o aprimoramento de sua individualidade plena. Porém, se presentes em pelo menos 95% da humanidade, se tão arraigados no genoma humano, devem, por outro lado, proporcionar alguma vantagem evolutiva, devem ter alguma utilidade, certo? Já tiveram.
A utilidade e precisão dos genes gregários eram óbvias e evidentes em nossos ancestrais das cavernas; igualmente claras e cristalinas eram as vantagens que conferiam aos seus portadores : ridiculamente fracos que somos e expostos que éramos a um ambiente profícuo em predadores muito mais fortes, ágeis e equipados em nos trucidar, a loucura do coletivismo era a melhor opção de sobrevivência, meno male.
À época das cavernas, os indivíduos geneticamente mais hábeis em se manterem integrados a um grupo, mais predispostos à tolerância do insano, tinham chances enormemente maiores de sobreviver que os afeitos à plácida e prazerosa solidão. As vaquinhas de presépio viviam mais, deixavam mais descendentes, que herdavam seus genes gregários, que também viviam mais que os descendentes dos solitários, e que também geravam mais crias gregárias mais longevas, ad infinitum.
Por conseguinte, a espécie humana, ainda hoje, digamos 30 mil anos após, é composta preponderantemente pelos descendentes dos gregários, poucos são crias e depositários dos genes dos solitários - o que é meu caso. Acontece que 30 mil anos pouco representam para o processo evolutivo, esses genes perderam sua utilidade inicial, mas não houve tempo hábil da evolução removê-los. Hoje, considero seus efeitos como verdadeiras doenças.
Para piorar, o ser humano - e isso quem diz é o próprio - desenvolveu a tal racionalidade, a qual, de repente, colocou-o num impasse : como ser racional e, concomitantemente, continuar a atender um instinto primal, que é o que a coletividade é ? A partir daí, ele começou a criar uma infinidade de justificativas para continuar a ser um idiota de bando, um sem-número de racionalizações para disfarçar sua incapacidade de resistir em sentar-se em torno de uma fogueira e, acompanhado de outros macacos barulhentos, mascar uma bela coxa de mamute assada; criou dezenas de explicações para sua incompetência em se estabelecer como indivíduo, para sua inabilidade em verdadeiramente SER.
Hoje, longe de resguardar o rabo de seus portadores das presas de um tigre-de-dentes-de-sabre, esses genes gregários os protegem da exasperação de SER. A solidão abre espaço para o autêntico pensamento (ninguém pensa nada que preste em grupo) e para a inquietação, o incômodo e mesmo a angústia que ele desencadeia. O coletivismo dá, ao seu agregado, o conforto da resposta fácil (e daí que ela seja falsa e inócua?), dá-lhe a felicidade do idiota. Por isso, esses genes permanecerão ainda por muito tempo no pool gênico do Homo sapiens, talvez para sempre.
Atualmente, no meu entendimento, há uma tétrade a manter e mais aglutinar o gregarismo : a religião, o esporte, o lazer e as datas comemorativas. Durante um tempo, por exemplo, tentei ver um sentido na comoção doentia causada pelo tal futebol, e a resposta foi que não há sentido algum. E nem precisa haver. O sentido não está nas regras do esporte, tampouco em suas técnicas e táticas, está no futebol ser um excelente pretexto para o bando se reunir em tumulto, o sentido é que ele atende a uma diretriz genética inabalável.
Idem para a religião : rezar, subjugar-se, humilhar-se perante a um deus inexistente, qual o sentido? Nenhum. Exceto, de novo, o da protetora e emburrecedora aglutinação. Natal, Ano Novo, aniversários, Dia dos Pais, das Mães... tudo desculpa para o bando se reunir. Shows, boates, bares, cinemas, shoppings centers : idem e ibidem.
Eu não tenho os genes do gregarismo, definitivamente. Sou imune a aglomerações de toda e qualquer modalidade. Nunca, desde minha infãncia, vi coerência alguma em torcer numa final de copa do mundo, rezar para algum deus ou ser festejado e aplaudido por familiares apenas por conseguir, de um só fôlego, extinguir as débeis chamas de meia dúzia de velas fincadas num bolo. Em épocas de escola, detestava os trabalhos em grupo. Considero-me privilegiado nesse aspecto, em ser supresso desses genes, dei-me bem na loteria genética. Há os ônus, contudo.
Recentemente, perdi um amigo por conta dessa sua necessidade gregária; como alguns outros, antes dele, no decorrer de meu pequeno meio século de vida. Ele bem que tentou, mas acabou por capitular ao chamado do bando. Perdi-o. Sem dramas. O imperativo evolucional da espécie é inexorável. O mugido do rebanho é irresistível canto de sereia à maioria dos ouvidos. Foi para os dele, também. Perdi-o. Paciência. Não há nada a se fazer.
Simples assim.

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2 Comentários

  1. "Shows, boates, bares, cinemas, shoppings centers : idem e ibidem."

    E como é que tu pega mulher, ô zé-punheta? Só vai de putas?

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  2. Eu não as pego. Elas vêm até mim, ô zé-queima-rosca!

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