O Melhor Legado É A Falta Dele

Joguei, hoje, uma obra-prima a um bueiro, aos esgotos; antes havia jogado outra ao rio poluído.
Obras-primas são perigosas, nocivas. Deixam rastros, trilhas facílimas de se seguir, aliás, impossíveis de não se seguir. Obras-primas obliteram outras veredas, outras possibilidades.
Joguei, hoje, uma obra-prima a um bueiro, aos esgotos; antes havia jogado outra ao rio poluído.
No começo, doeu-me um pouco, mas uma vez jogadas e sem chances de recuperação, vi que a dor passa logo, além de não se mostrar tão intensa como eu supunha; nem marejou-me os olhos ver a obra-prima encharcar e afundar em águas barrentas.
Joguei, hoje, uma obra-prima a um bueiro, aos esgotos; antes havia jogado outra ao rio poluído.
Obras-primas induzem à preguiça. O caráter de insuperáveis e inigualáveis dado a elas, leva à prostração, como se a existência de uma delas já justificasse a existência da humanidade e nada precisasse mais ser feito, ou melhor feito. Joguemos todas ao lodo.
Joguei, hoje, uma obra-prima a um bueiro, aos esgotos; antes havia jogado outra ao rio poluído.
Não quero meu filho com a cabeça entupida e interditada por obras-primas e mapas de viagem.
Joguei, hoje, uma obra-prima a um bueiro, aos esgotos; antes havia jogado outra ao rio poluído.
Se pudesse, legaria ao meu filho um mundo sem estradas e sem obras-primas.
Um mundo sem Dantes ou Quixotes.

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