O Albatroz Júlio Barroso

Júlio Barroso surgiu e principiou a fazer parte da geração anos 80 do rock nacional, contemporâneo e confrade de Lobão, Cazuza, Lulu Santos, Renato Russo, Ritchie e outros. Diziam-no melhor poeta que Cazuza e de mesmo tope que Renato Russo. Não houve tempo de demonstrá-lo. Morreu de morte precoce, em 1984, aos 30 anos de idade. Precoce é modo de dizer.
O poeta - o verdadeiro - nunca morre precocemente, sim em seu mais exato tempo; se aos 20 ou aos 80 anos, só o poeta o sabe. E caso o fim não lhe chegue naturalmente nesse preciso tempo, se os deuses se fizerem de distraídos para com ele, o poeta providencia sua causa mortis : tuberculose, punhal de amor traído, ópio, álcool, AIDS, e o que mais lhe agradar e convier.
E lá um belo dia - uma bela noite -, Júlio tomou seu LSD e asas, que antes só existiam em sua imaginação, materializaram-se em seus braços e dorso. Apto ao voo, Júlio fez-se Fernão Capelo Gaivota da janela de seu edifício. E voou, pronto para o voo que estava. Voou bela e lindamente, como sempre supôs que voaria, como sempre havia planejado voar.
Júlio só não havia se preparado para o pouso, só nunca fez planos para a aterrissagem.
O poeta só planeja o voo, nunca o pouso. O poeta nunca ouve a recomendação da mãe para sair de casa com agasalho e guarda-chuva. O poeta - o verdadeiro - sai de casa sempre vestindo asas, nunca paraquedas. Quer que, dele, lembrem-se do voo, nunca da queda.
O poeta é o mais canalha e frágil dos seres.
Júlio Barroso, ao lado de sua Gang 90 e suas Absurdetes, deixou um único e belo disco, que estava meio que esquecido no meu guarda-roupas há tempos e que, de umas semanas para cá, tenho muito escutado. Júlio Barroso segue voando por aí, em bando, Álvares de Azevedo, Cazuza, Byron, Renato Russo, Augusto dos Anjos, Caio Fernando Abreu, Raul Seixas, Vinícius de Moraes, Poe,  Bocage, Paulo Leminski, Gregório de Mattos, Waly Salomão, Florbela Espanca...
Bandos barulhentos de pombos, para sortudos que têm ouvidos para ainda os ouvir. E se tal sortudo for ainda mais dileto das musas, esses pombos, volta e meia, acertam-lhe uma cagada na cabeça, plantam-lhe uma ideiazinha : para preencher seus dias, seus cadernos nas gavetas, suas madrugadas sem cor.

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