Professores Batem À Porta Dos Alunos, Interior Paulista

É uma espécie de culpa inconsciente : toda pessoa incompetente na função para a qual foi contratada, e de onde extrai seu soldo, tende a ser "boazinha" em seu ambiente de trabalho. Todo mundo conhece o tipo, é aquela pessoa que ajuda a todos, está sempre pronta a fazer favores, sempre disponível a ajudar os outros em suas obrigações, e ainda diz que isso é "vestir a camisa". Incompetente ajuda todo mundo, e faz serviço que não é seu para que a ineficiência em sua função específica passe despercebida, ou, ao menos, seja relevada.
Desconfio que seja esse o caso desse grupo de professores de Altinópolis, interior paulista. Eles se dispuseram a visitar - invadir, na minha opinião - as casas dos alunos, depois de seus expedientes, a partir das 18 horas. O suposto objetivo é aproximar a família da escola, e são feitas 10 perguntas aos pais, religião e renda, entre elas.
Isso é serviço de professor? De alguém que se digne em usar o nome "professor"? Nem sei de quem seria esse serviço. Assistentes sociais, psicólogos, pesquisador do IBGE, fiscais do Sarney, Gestapo, sei lá. Só sei que de professor não pode ser.
Conheço professores de todos os tipos, e os que são bons, os que dão aula de maneira séria, os que controlam suas salas de aula, não se submetem a fazer serviços fora de suas atribuições. E esses serviços nos chegam diariamente, serviço de secretaria, serviço de coordenação etc, todo mundo apelando e se valendo da vocação de missionário do professor. Não conheço um bom professor que não recuse o que não é de sua atribuição. Em contrapartida, a maioria fica esfuziante quando surge uma chance de "colaborar" com o colega, pois sabe que, enquanto estiver fazendo isso, não precisará dar conta de sua real função.
Não tenham dúvidas, o muito "solidário" ao trabalho do outro, quer, na verdade, esconder os defeitos do próprio. E se há exceções, desconheço uma única que seja para lhes dar como exemplo.
E mais : os abnegados mestres nem receberão a mais para realizar a pesquisa. Tá certo. Não tem que pagar nada mesmo. Idiota tem que se fuder. Idiota já se sente recompensado em ser "útil" para a sua comunidade.
Uma sugestão a esses professores : aproveitem que estão nas casas do alunos e, finda a pesquisa, ajudem as mães a fazer a janta, a dar banho nos filhos pequenos, deem uma varridinha na casa, passem uma roupinha, ponham as crianças para dormir. E até, quem sabe, se a dona de casa estiver com dor de cabeça, socorram o maridão.
Sou professor e tenho cada vez mais vergonha da submissão e da subserviência da chamada classe professoral. Antes, eu me indignava quando diziam que a culpa da precariedade da escola era nossa. Hoje, não me revolta mais. A culpa é nossa, mesmo.
Fonte : Folha de São Paulo.

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