Barulho I - Comedor de Pipoca Levou Um "Pipoco"

Conforme envelhecemos, perdemos a paciência para quase tudo. Perdemos, na verdade, o encanto pelas coisas, e consequentemente a paciência. Perdi, já há algum tempo, o encanto pelo cinema, pelas salas de cinema, por ir ao cinema.
Uma das razões foi a crescente falta de educação das pessoas. Nas últimas vezes em que estive em uma sala de cinema, senti-me em um ambiente aflitivo, claustrofóbico, até. Uma total falta de compostura e respeito pelo ritual que é (deveria ser) assistir a um filme num cinema. Uma cacofonia generalizada, dessas de deixar a gente tonto, uma balbúrdia sonora pantagruélica. Somem os sons de saúvas depenando uma roseira, de mandruvás desossando um coqueiro, do D. João VI comendo frangos, e ampliem o resultado milhares de vezes. Era isso o que eu ouvia.
Barulhos de pipocas sendo mascadas e, depois, dos sacos de pipoca sendo amassados; o barulho aluminizado das embalagens de salgadinhos; o barulho das bocas falando e comendo ao mesmo tempo, chicletes sendo ruminados; o barulho do celofane das balas; o barulho dos refrigerantes sendo sugados deseducamente, do ar sendo aspirado pelo canudinho quando o refrigerante acabava; o barulho dos celulares sendo ligados e desligados, aquela miríade estroboscópica das luzes das telas dos celulares acendendo e apagando, verdes, azuis, amarelas, uma confusão de fogos-fátuos abandonando os corpos mortos dos aparelhos e de seus usuários. Essa situação se arrastou durante uma boa meia hora do filme começado, só acabou quando as pessoas "resolveram" assistir ao filme, quando lembraram que estavam ali para isso.
Só que em Riga, capital da Letônia, um desses abjetos seres teve o merecido. A justiça foi feita durante a exibição de "Cisne Negro", com a apetitosa Natalie Portman. Um homem de 27 anos já havia advertido outro, de 47 anos, a respeito do barulho que esse fazia ao comer pipoca. Não atendido, não teve dúvidas : passou fogo no triturador de piruá, mandou bala, deu um "pipoco" no comedor de pipoca.
Acho que ainda acontece pouco desses incidentes. Em épocas de tolerância - ao invés de educação -, temos que engolir calados muitas coisas durante o dia, durante a vida. Nada, hoje, é errado. Tudo tem de ser tolerado. Toda diferença, respeitada. O sujeito é uma cavalgadura, mas a falta de educação dele é uma diferença cultural, tem de ser tolerada. O cacete que tem. Chega uma hora em que a tampa da panela de pressão arrebenta.
Se eu fosse o juiz a julgar o caso, absolveria o justiceiro. Daria, a guisa de satisfação para a sociedade, uma pena alternativa ao sujeito, por exemplo, ser lanterninha de cinema por um tanto de horas (sacanagem, eu não cometeria uma maldade dessas).
E já que o pano de fundo foi um cinema, Viva o "Um Dia de Fúria".
"Um Dia de Fúria", direção de Joel Schumaccher.
Com Michael Douglas, o comedor da Catherine Zeta-Jones.

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