A canção "Mensagem", de autoria de Aldo Cabral e Cícero Nunes, de 1946, gravada por inúmeras cantoras de peso, desde Isaura Garcia até Maria Bethânia, passando por uma de suas versões mais conhecidas com Vanusa, não tem a grandiloquência e o refinamento de um de um Chico Buarque, de um Milton Nascimento, de um Belchior, de um Oswaldo Montenegro, de um Renato Russo, de um Flávio Venturini, de um Lupicínio Rodrigues, de um Herivelto Martins.
Porém, carrega em si uma simplicidade e uma singeleza que a tornam, na minha opinião, uma das mais tocantes e pungentes da MPB.
Guarda uma beleza tímida, que não se expõe de forma óbvia, exibicionista e ostensiva - e é mais bela por isso -, a beleza das coisas que nascem espontaneamente, sem esforço e sem fórceps, sem traumas; a majestade do miosótis que brota no solo fértil da saudade durante uma madrugada orvalhada de lua cheia. Sem se anunciar, sem ninguém ver.
A letra narra a curta história da mulher que recebe a visita do carteiro a lhe trazer notícias do homem que a abandonara, que, provavelmente, a trocara por outra, pois, como diz meu corno e filósofo amigo Fernandão, "alguém já viu o Tarzan largar de um cipó sem estar segurando em outro?".
A letra traz alguns achados, algumas pequenas pepitas de inspiração. Traz, por exemplo, a tão pouco usada preposição "ante"; "ante surpresa tão rude ", e segue com uma boa rima, "nem sei como pude chegar ao portão". E meu trecho preferido : "lendo o envelope bonito, em seu sobrescrito, eu reconheci, a mesma caligrafia que disse-me um dia estou farto de ti". Sobrescrito... pããããta que o pariu... quem sabe o que é isso hoje em dia? Bonito com sobrescrito, caligrafia com disse-me um dia, reconheci com estou farto de ti. Um primor.
Vanusa canta "que disse-me um dia"; Maria Bethânia, que gravou a canção mais recentemente e é uma baita conhecedora da nossa língua, canta "que me disse um dia", pois o pronome relativo "que" atrai para si, em próclise, o pronome pessoal "me". Não sei qual das duas maneiras é a original dos autores, mas, nesse caso, isso pouquíssimo importa.
E a moça não chega a abrir o envelope bonito. Destrói-o. Incinera-o : "quanta verdade tristonha ou mentira risonha, uma carta nos traz, e assim pensando rasguei tua carta e queimei, para não sofrer mais".
Ante uma nova e provável decepção, uma nova e provável tristeza, a moça abriu mão da possibilidade de uma ressurrecta felicidade. É a carta de Schrödinger!!!
Que fossa, hein, meu chapa, que fossa...
Mensagem
(Aldo Cabral e Cícero Nunes)
Quando o carteiro chegou
E o meu nome gritou
Com uma carta na mão
Ante a surpresa tão rude
Nem sei como pude
Chegar ao portão
Lendo o envelope bonito
Em seu sobrescrito
Eu reconheci
A mesma caligrafia
Que disse-me um dia
Estou farto de ti
Porém não tive coragem
De abrir a mensagem
Porque na incerteza
Eu meditava e dizia
Será de alegria?
Será de tristeza?
Quanta verdade tristonha
Ou mentira risonha
Uma carta nos traz
E assim pensando rasguei
Tua carta e queimei
Para não sofrer mais
Porém não tive coragem
De abrir a mensagem
Porque na incerteza
Eu meditava e dizia
Será de alegria?
Será de tristeza?
Quanta verdade tristonha
Ou mentira risonha
Uma carta nos traz
E assim pensando rasguei
Tua carta e queimei
Para não sofrer mais
E assim pensando rasguei
Tua carta e queimei
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