De Volta aos 64

Calma, destro leitor do Marreta. Não se anime ou se empolgue. Não tenha uma ereção cívica, uma ufana paudurescência! Que nunca foi o objetivo do blog espalhar a ventura, mas sim a desesperança.
Não foi o dourado ano de 1964 que voltou. Ano em que os militares, a impedirem o terrorismo de estabelecer uma ditadura comunista por aqui, a chamada "ditadura do proletariado", começaram a descer o sarrafo na vermelhada. Vemos, hoje, que bateram pouco, mas, enfim, bateram. Deixemos, porém, o saudosismo de lado.
Os 64 que voltaram foram os quilos do meu peso corporal.
Mantive esse peso, com uma margem de erro de um quilo e pouco pra mais, um quilo e pouco pra menos, dos meus vinte e tantos anos até os meus quarenta e poucos. Até os 42, para ser mais exato, quando meu filho nasceu.
Eu, que já era responsável pela maioria das tarefas domésticas, assoberbei-me ainda mais de atribuições. Multitarefas. Muitas vezes tendo de ser cumpridas simultaneamente. A comida no fogo, a fralda a ser trocada, a louça a ser lavada, a mamadeira por preparar. Tarefas repetitivas e sem fim, verdadeiras rochas de Sísifo. Cheias de melindres, detalhes e minúcias que requerem tato, delicadeza e, sobretudo, paciência. E a testosterona, o hormônio do macho por excelência, não é exatamente conhecida por nos dotar de paciência.
Antes pelo contrário, é o hormônio da objetividade, do oito ou oitenta, do imediatismo. O cara saía, matava o mamute, o arrastava para a tribo e pronto. Ia dormir e coçar o saco enquanto durasse a carne.
Não são assim as tarefas que, evolutivamente, e não por acaso ou construção social, são chamadas de "serviço de mulher". O cérebro feminino é muito melhor e mais adaptado às multi e simultâneas tarefas, às delicadezas, impera-lhes o hemisfério direito do cérebro.
Mas, pelo ruir da sociedade patriarcal e, principalmente, pela minha preguiça de trabalhar mais e me tornar o provedor-mor da casa, o meu cérebro de macho das antigas teve que se adaptar a elas.
E como o cérebro masculino adquire mais tato e paciência para, ao invés de trucidar um mamute, fazer arranjos de ikebana?
Simples: ordenando aos testículos que produzam menos testosterona, dando férias coletivas para os bagos. Há vários estudos que mostram que homens envolvidos em grande parte do tempo com tarefas domésticas têm reduzidas as suas taxas de testosterona.
Menos testosterona, menor metabolismo : ganho de peso. Além disso, passei a ficar mais tempo em casa. Minhas andanças vespertinas, pelos sebos do centro, pelo Mercadão, ou a esmo, extinguiram-se. Menos testosterona, menos atividade física : ganho de peso. E mais tempo casa, maior consumo de comida, a cada passada pela cozinha, uma beliscada. Menos testosterona, menos atividade física, mais comida : ganho de peso.
Fui aumentando gradativamente de peso, chegando, em algumas ocasiões, ao longo desses 13 anos, a 76, 77 kg. Nesses patamares, eu tomava uma certa vergonha na cara e voltava para os 70, 72 kg.
Durante a pandemia do vírus chinês, longe da patuleia e da ansiedade que ela me causa, consegui regrar melhor minha alimentação e minhas caminhadas; cheguei aos 67 kg.
Finda a pandemia, a volta às aulas pôs tudo a perder. Há três meses, bati nos 77 kg, de novo. Cueca apertava, incomodava; não me ajeitava direito sentado no sofá com a protuberância da pança.
Ou eu virava gente agora, ou nunca mais.
Uma vez, um médico, um clínico geral, disse-me que um adulto acima dos 40, 50 anos, por hábito e não necessidade fisiológica, consome cerca de três vezes mais alimentos do que precisa. Que ele próprio só tomava um café preto pela manhã, fazia um bom almoço com porções moderadas de cada grupo alimentar e só voltava a comer no outro dia, no almoço. Que era questão de quebrar o ciclo da comilança, convencer o cérebro de que o resto do corpo não carece mais de tanto combustível.
Resolvi, então, pôr em prática a teoria do médico. Além da menor quantidade de ração, continuo, é claro, indo e voltando a pé do trabalho, o que já são uns 7, 8 km, e a depender do dia, ainda faço uma caminhada à noitinha.
Resultado : 13 kg em 3 meses. Voltei aos 64.
Não sinto a menor fome, ou vontade de comer, no intervalo entre um almoço e outro, tampouco me sinto combalido ou com qualquer sintoma de fraqueza. Nem mesmo na hora da sagrada cerveja (essa eu me recuso a tirar de minha dieta), sinto-me tentado a comer algum tira-gosto.
É questão mesmo de reeducadar o cérebro, essa criança mimada e birrenta.
E é sempre bom ver que o velho corpo ainda responde e reage bem à boa e velha disciplina.
E se eu consegui voltar aos 64, por que é que o Brasil também não poderá ?

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5 Comentários

  1. Marreta, muito bom. Preciso de um pouco de disciplina para fazer uma redução dessas. Eu estava com 85, mas acabei subindo e, hoje mesmo, pesei 95. Estou com uma barriguinha legal, mas encorpei um pouco (pelo menos nos exercícios carrego bem mais peso que da última vez que pesei 95 kg). Os médicos dizem que meu peso ideal, dada minha altura, seria de 75-78 kg. Eu estaria próximo dos peso pena hehehehe, por hora, com muitas tarefas (mesmo não sendo tarefas de casa) continuo comendo igual. Vamos ver se ano que vêm tomo vergonha na cara....
    Não lembro onde li isso, mas diziam que, esse trabalho de sísifo diário é a conta que pagamos para viver. Nunca termina. Está sempre caindo no cartão de crédito da vida.
    Abs!!

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  2. Qual a tua altura, Marreta? Tenho 1,70 e devo tá nos 84 kg, isso antes dos 30, eu pesava coisa de 57 kg até os 17, mas depois de comer muito, muito mesmo pra sobrecarregar o meu metabolismo acelerado, e de ter ido de forma perto de disciplinada pra academia por coisa de 3 anos, consegui ficar em um físico mais aceitável, com 66 kg, mas saído toda uma hora de academia por dia, e coisa de duas horas de pedalada que levava de casa pro trabalho na época, ida e volta, tirado tudo isso, ficando só uma pedalada de coisa de 1 hora hoje em dia ida e volta, fui aumentando, e desmotivando, ficando num num físico ao estilo o do Joaquin Phoenix lá no filme "Você Nunca Esteve Realmente Aqui" (trailer aqui: https://www.youtube.com/watch?v=YYMPfgapICU).

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    1. Eu tenho, ou tinha quando jovem (dizem que a gente diminui com a idade), 1,81m.

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    2. Eu diria que és candidato ao reality "quilos mortais". Com 7 cm a menos, estou com esse mesmo "sobrepeso"seu. Mas nesta tenra idade beirando aos 50 e não abrindo mão da dieta líquida, digamos que estamos aptos à cirurgia bariátrica. Só não passamos a etapa de remoção de pele, pois só sobrará o osso. Abs e bom fds.

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