Cerveja-Feira (31)

Há muito que eu não sei o que é ficar mais do que dois ou três dias sem dar uma bebericada. A última grande estiagem de cerveja se deu há uns sete ou oito anos, quando uma tendinite braba no joelho me fez passar três semanas à base de um anti-inflamatório pesadíssimo, e totalmente incompatível, avesso e beligerante ao álcool.
Com a pandemia, então, aumentei ainda mais a frequência de ingestão da loira gelada; porém e longe disso, não frígida. Há semanas em que, nem que sejam duas ou três latinhas, eu bebo todos os dias. É bom para assistir a um filme. É bom para ouvir uma música. É bom para escrever. É bom para, simplesmente, só beber.
Sinto de verdade, e claro que pode ser apenas mais um dos enganos do álcool, que penso melhor e mais claramente sob os eflúvios de uns latões. Tem o bêbado que fica mais emotivo, tem o que fica mais falante, tem o que fica mais chato, tem o que fica mais valente. Eu sou do tipo que pensa que pensa melhor.
Será, de fato? Muito já se relatou e se escreveu sobre os efeitos das drogas na criatividade e no pensamento humanos. Álcool, maconha, ópio, absinto, Jesus, LSD e demais psicodélicos (os quais, tenho enorme vontade de experimentar, mas, ao mesmo tempo, um medo, um cagaço ainda maior do que eu poderia "ver").
Há uma droga, no entanto, sobre a qual acredito não haver relatos de sua influência no pensamento e na criação. A pior de todas as drogas : a abstinência.
Resolvi, depois de matutar a questão por uns meses, fazer um experimento com tal droga. Tentarei passar um mês sem colocar uma única gota de álcool no organismo. Nem álcool em gel na torrada, eu passarei mais. E ver o efeito sobre o que eu penso, sobre as ideias que tenho e na maneira que eu as desenvolvo e escrevo.
Não, não é autopunição nem autoflagelo. Nenhum tipo de culpa ou de arrependimento (ponderei muito a respeito dessa possibilidade inconsciente) me levou a essa decisão. Curiosidade, apenas a boa e velha curiosidade. Como funcionarei sem o álcool? Funcionarei?
Pensei em começar hoje, sexta-feira, mas seria até sacrílego. Poderia ser amanhã, mas irei para a casa da minha sogra, que mora em outra cidade. Passar o fim de semana na casa da sogra, e a seco, é castigo que não sei se ninguém merece, mas tenho certeza de que eu não, e como eu disse, a intenção do experimento não é a de punição ou purgação. Além disso, a véia também é chegada num litrão. Antes um pacto com o Tinhoso que fazer desfeita pra sogra.
Começarei, pois, feito todas as dietas e regimes fracassados, o meu jejum alcoólico na segunda-feira, 26/10.
À guisa de despedida temporária, hoje irei de uma boa e barata que descobri recentemente, a cerveja Malta.

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8 Comentários

  1. Essa boa e barata eu nunca vi. Onde encontrou?

    É um estudo interessante. Também costumo fazer tais experimentos. No meu caso, já fiquei um mês sem beber cerveja, resultou em baixa produtividade acadêmica e diminuição da leitura e escrita. Depois de muito arranjo de variáveis, meu funcionamento ideal foi através da criação de 'condicionais'. Se produzo uma quantidade X de afazeres acadêmicos, se faço minha caminhada, se planejo meu dia seguinte e se me presto ao bom lazer, então bebo de duas a três latinhas ou uma garrafa ao fim do dia. Se fico no meio do caminho com algum "se", então bebo só uma latinha. Se não faço é nada, então nem bebo.
    Exceção é aos domingos, pois é dia de oração: rock (argentino, ultimamente), cerveja e pernas para o ar, amém.
    Das demais drogas, só fui na maconha, nos tempos de graduação. Relaxa bem, mas não gostei não. Ainda assim, costumo colocar em bolos e brigadeiros, fica bom.

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    1. Valha-me São Pavlov! Você já tinha me falado desse seu programa de condicionamento. Também já tive contato com a maria joana na época da faculdade, por duas ou três vezes, mas não bateu, não senti nada; sem contar que não curto fumaça. No brigadeiro, eu nunca provei, mas é uma receita engenhosa, sem dúvida : dá o barato e já mata a larica ao mesmo tempo.
      Achei a Malta no Makro. Passei por ele em uma de minhas caminhadas, resolvi entrar e lá estava ela. Paguei 2,09 o latão.

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    2. Seria legal tu fazer um "diário de bordo" da sua nova experimentação. Já estou sentindo por você os efeitos da abstinência.
      Também não curto fumaça, mas no brigadeiro fica bom. Vou ver se encontro a Malta em algum mercado por aqui, valeu pela dica.

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    3. Já tinha pensado nessa ideia do diário, mas acredito que eu deva sentir algum efeito, alguma falta, a partir da segunda semana; aí verei se surge algo interessante para escrever sobre.

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  2. Vou lhe contar um pouco de minha experiência de abstinência controlada.

    É de praxe sair de férias com a família no final de dezembro e retornar no final de janeiro.

    E indo para o sul do país, onde o povo bebe "pouco", mal consigo ficar um dia sequer sem o líquido precioso. Nem preciso me preocupar em me controlar, pois é duty free, endossado pela primeira-dama.

    Enfim, você vai encontrar declarações semelhantes da Luiza Sonza, que é do RS, por exemplo, sobre a grande tolerância ao álcool dos sulistas. Marat pode ratificar.

    Voltando ao que interessa... Depois de um mês de abusos etílicos, eis que retorno para casa e me sinto de certa forma "culpado" pelos excessos. Afinal, já não sou mais um garoto e o tempo cobra tributos pelo abuso de substâncias psicotrópicas como física, química, matemática e outros quitutes da engenharia.


    Há alguns anos, sempre após o retorno das férias, passo exatamente um mês abstêmio. E por vários motivos: primeiro, para provar para mim mesmo que consigo parar, mas não quero; segundo, por uma questão de saúde, visto que costumo fazer a famosa cura do limão (não por nenhuma viadagem , mas apenas para desafiar meus limites); terceiro, para me sentir merecedor do líquido precioso.

    Mas devo lhe dizer que nesse período de abstinência, a alegria me abandona... E a ansiedade me acompanha, riscando o dia a dia no calendário até chegar o deadline do retorno triunfal.

    Sobre este último item, devo confessar que a semana para mim deve ser de muito trabalho árduo para que eu me sinta merecedor de abrir uma gelada na sexta-feira. Se eu tivesse que tomar cerveja todos os dias por obrigação ou vício,confesso ficaria entediado rapidamente.

    No mais, desejo-lhe sucesso na empreitada. Ou como se diria no teatro, quebra a perna... Só não quebre o caneco.

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    1. Rapaz, isso aqui tá parecendo o A.A., cheio de testemunhos de vida.
      O GRF teve "baixa produtividade acadêmica e diminuição da leitura e escrita"; você diz "que nesse período de abstinência, a alegria me abandona... E a ansiedade me acompanha, riscando o dia a dia no calendário até chegar o deadline do retorno triunfal".
      Estão querendo me animar, é?
      Me diga mais sobre a tal cura do limão? Como é isso? Não é caipirinha, não, né?

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    2. O negócio é simples. No primeiro dia, esprema o suco de um limão e tome em jejum, sem qualquer tipo de açúcar ou adoçante, nem misturar com água. Mantenha o jejum por duas horas após o consumo. Aumente a dose em um limão por dia até chegar a 10. Depois, reduza um limão por dia até chegar a apenas um no último dia. Isso dá um total de 100 limões em 19 dias.

      O limão possui propriedades alcalinas, é depurativo sanguíneo, combate radicais livres, etc etc. Infelizmente, não faz milagres, como curar impotência e crescer cabelo.

      Bom, se você pensar em termos da masculinidade, faz "crescer cabelo no peito". Não é algo para os fracos. No quinto dia, o estômago está dando voltas... e no décimo sexto dia, você dá graças a Jaga porque só tem que consumir o suco de quatro limões em vez de oito.

      Da primeira vez que fiz, deixei por conta da esposa comprar os limões. Vieram uns limões-taiti quase do tamanho de laranjas e no décimo dia, era o equivalente a um latão de cerveja, mas sem lúpulo e malte. Se for tentar o desafio, escolher o tamanho da fruta faz toda a diferença.

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    3. Rapaz, eu já sou azedo por natureza; se eu tomar tudo isso, ninguém vai me aguentar.

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