Um vegetariano pode trabalhar ou ser proprietário de um açougue ou frigorífico? Um abstêmio, ser vendedor de bebidas ou barman? Um gordo, nutricionista ou professor de educação física? Um eunuco, comerciante de camisinhas ou de viagra? Uma biblioteca, ter livros do Paulo Coelho ou do Rubem Alves? Uma feminista, vendedora de sutiãs ou de cera ou lâminas para depilação?
Pode o Roberto Carlos vender Friboi? A Sandy, cerveja Devassa? A Xuxa, creme hidratante Monange (na faixa de R$ 5,00 a embalagem com 200 ml)? O Zeca Pagodinho, brahmeiro xiita, cerveja Schincariol? Angélica e Luciano Huck, produtos Niely Gold (preços idem aos da Monange)?
Pode. Claro que pode. É feito no mundo das drogas ilegais, a maioria dos grandes traficantes não usam a droga que vendem. Tudo é comércio. É business. Tudo é questão de meter a mão no bolso do crédulo.
E um ateu, pode ser vendedor de Bíblias?
É o que faz o estadunidense Trevor McKendrick. Em 2012, ele ficou sabendo que um parente seu estava faturando cerca de oito a dez mil dólares mensais com a venda de aplicativos para iPhone. Querendo abiscoitar pelo menos uns 600 dólares mensais, fez uma rápida pesquisa na Apple Store (sei lá que porra é essa) sobre aplicativos já existentes do Livro Sagrado e só encontrou um, de uma Bíblia em espanhol. O aplicativo, segundo Trevor, era horrível, muito malfeito, "uma merda". Contratou um programador para acrescentar-lhe melhorias, entre elas uma versão de áudio em espanhol, e pronto : passou a arrecadar de cinco a seis mil dólares por mês.
Só que agora, Trevor, que levou pouco mais de uma hora para desenvolver o aplicativo, revela-se com drama de consciência, constrangido por ganhar tanta grana com a Bíblia, uma vez que é ateu. “É difícil de acreditar que esse dinheiro é real porque não me custou a ganhar”, disse.
Deixe de melindres, rapaz. Cinco ou seis mil dólares por mês? Padres, pastores, rabinos e outros que tais arrecadam muito mais e igualmente a você também não creem naquele pastiche todo da Bíblia. A diferença é que eles são franqueados de deus e você atua, digamos assim, na economia informal, no mercado paralelo. Você pode ser comparado àqueles vendedores antigos de livros, que iam de porta em porta. E daí que, aparentemente, não está satisfeito com seu trabalho, quem é que está?
E, se isso lhe tranquiliza e abranda um pouco mais sua culpa, saiba que, de qualquer maneira, ninguém vai mesmo ler a sua Bíblia eletrônica. Ninguém lê esta porra. Nem em papel, quanto mais na versão eletrônica. Ela vai ficar lá, perdida entre outros e tão inúteis aplicativos como ela, colocada no mesmo balaio dos Whatsapp e Angry Birds.
Feito as Bíblias de papel que, antigamente, ficavam expostas, abertas, em cima da mesa ou de qualquer outro móvel com lugar de destaque nas salas de estar. Elas ficavam lá apenas como objeto de decoração, a pegar poeira, a querer passar a impressão para possíveis visitas de que naquele lar habitava uma família temente a deus. Até minha mãe teve uma dessas. Se não me falha a minha falha memória, ela veio de brinde quando meu pai nos comprou a Enciclopédia Barsa, o Google da época. O único que, de vez em quando, dava-lhe uma folheada, era eu.
O seu aplicativo da Bíblia, sagaz Trevor, ficará apenas como um objeto de decoração das telas de celulares e smartphones, a dar uma impressão de espiritualidade e moralidade ao seu portador, junto às futeís e frívolas selfies e mais a um monte de fotos e vídeos de caralhões e xavascas.
Mas não sei, não. Acho que você não é ateu porra nenhuma! Toda essa culpa, esse remorso, esse remordimento... Só um cristão os carrega em tanta carga.
Trevor McKendrick, o criador de "La Bíblia", aplicativo em espanhol da Bíblia.
Madre de Dios!!!
2 Comentários
Acho que você fez um bom diagnóstico. Ele pode até não ser cristão, mas a cara de bundão denuncia um moralista, um "politicamente correto".
ResponderExcluirQuanto à Bíblia aberta, isso ainda se vê aos montes, mas está (até onde sei) sempre aberta em determinado Salmo, adequado (?) para proteger a casa de maus fluidos ou coisa assim. Imagino que seria uma espécie de vodu ao contrário.
Finalizando, acho que o vendedor deveria desencanar por estar ganhando dinheiro fácil. Veja bem, no fundo, no fundo, ele acredita no poder da Bíblia (mesmo que não acredite em seus ensinamentos). Alguma coisa assim tipo "parece Denorex mas não é".
Taí, disso eu não sabia, que a Bíblia ficava sempre aberta em determinado salmo para proteger o ambiente, faço aqui uma mea culpa.
ResponderExcluirQuanto ao tal remorso, acho que ele só veio a público dizer dele para aparecer ainda mais, para vender mais Bíblias.