Morre Zé Bonitinho, o Perigote das Mulheres

Ele entrava altaneiro, com suas roupas que já eram cafonas no tempo em que se usava o termo cafona, de coloridos berrantes e tecidos laminados, a envergar a indefectível gravata-mariposa, um manequim de brechó, topetão e costeletas brilhantinados, bigodes finos de finório, magro de fazer pena, feio de dar dó, andar de um gingado desengonçado, de ganso manco e bêbado.
Não obstante, caminhava como se a Praça e tudo e todos nela lhe pertencessem, seguro e confiante de seu poder de sedução, feito um besouro que só voa porque não sabe de sua impossibilidade aerodinâmica de voar. E não se fazia de rogado nem de modesto, já abordava e se atracava à mais gostosa do lugar, à mais peituda, e, sem delongas nem prolegômenos, apresentava-se : "Zé Bonitinho, o perigote das mulheres, aquele que não é caminhão de gás, mas a mulherada tá correndo sempre atrás, voz quente e olhar extremamente caliente, bésame, bésame mucho, como si fuera esta noche  la última vez".
A gostosa, claro, repelia, rejeitava e desprezava aquela figura franzina, encurvada e caquética. Ferido em seu brio de garanhão resfolegador, o que Zé Bonitinho não conseguia por bem, obtia por mal. Usava sua suprema arma secreta. Puxava de novo a gostosa para si, abria seu paletó, sacava um enorme mandiocão de seu interior e o exibia para aquela que o desdenhara : "garota, pegue a mandioca do Zé Bonitinho".
E a mágica donjuanesca se fazia. Diante de tão grosso e taludo tubérculo, a gostosa capitulava, afogueada de tesão : "mas que mandiocão, Zé Bonitinho"!!! E começava a agarrar freneticamente seu conquistador. Mais uma vítima havia sido feita pelo perigote das mulheres. Mas para Zé Bonitinho não bastava apenas conquistar sua presa, ele tinha que deixá-la totalmente subjugada e submissa, jogada a seus pés, a implorar por seus beijos. E vinha o arremate, Zé Bonitinho olhava para a câmera e ordenava : "câmeras, close; microfone, please. Agora, garotas do meu Brasil varonil, vou lhes dar um tostão de minha voz, if I had a thousand women, au, au, au, au..."
A voz maviosa de Zé Bonitinho era o golpe de misericórdia, a gostosa pulava em seu pescoço, afogava-o entre os seus peitões e pedia : "me beija, Zé Bonitinho, me beija". Zé Bonitinho, a la Clark Gable, tomava a donzela em seu braços e aproximava seus lábios dos dela, até quase beijá-los, aí, afastava-se bruscamente e largava a gostosa : "negativo, garota, hoje já beijei 999 mulheres, estou de boca mole"
A gostosa insistia : "me fala, Zé Bonitinho, me fala, o que é que eu faço para lhe ter"? "Para ME TER, garota? - dizia Zé Bonitinho - para ME TER, me espere ali na esquina, ao lado da farmácia". A gostosa ia e o eterno dono do banco da Praça, Carlos Alberto de Nóbrega, perguntava : por que ao lado da farmácia, Zé Bonitinho? "É que hoje ela vai ver o que é bom para tosse!!!" E saía vitorioso em seu passo desengonçado.
A cena acima, com pouquissimas variações, repetiu-se milhares de vezes desde a estreia de Zé Bonitinho, personagem criado por Jorge Loredo, no programa Noites Cariocas, transmitido pela extinta TV Tupi, em 1960.
Foram mais de 50 anos de Zé Bonitinho. E a sua atuação imutável, sem novidades, nunca o tornou cansativo, tampouco menos engraçado. Pelo contrário, quanto mais se repetia, mais hilário ficava, o que é próprio dos grandes personagens, dos clássicos. E à medida que a idade avançava sobre Jorge Loredo, mais ela se adequava a Zé Bonitinho, quanto mais velho, mais encurvado, mais feio, mais coerente e sedutor o absurdo Zé Bonitinho se tornava.
As garotas do meu Brasil varonil estão de luto. Jorge Loredo morreu hoje, aos 89 anos, por falência múltipla dos órgãos. Falência de quase todos os órgãos. Menos do seu mandiocão. Que o mandiocão do Zé Bonitinho é imperecível!
E deixou um último desejo : "enterrem meu mandiocão embaixo do banco da Praça".

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2 Comentários

  1. Mais uma baixa no fronte. o\ Lamentável.
    "J"

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  2. Belíssima e comovente homenagem! Tempos atrás, li (ou ouvi do próprio) que as características do personagem foram inspiradas em um amigo do Jorge Loredo, dos tempos da lambreta e do rock and roll. Muito legal.

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