Que Fossa, Hein, Reginaldo Rossi, Que Fossa...

Ontem, a autêntica música popular brasileira perdeu um de seus mais diletos e pitorescos representantes, Reginaldo Rossi, aos 69 anos, fraquezas lá dos pulmões.
Se Odair José é o cantor padroeiro das empregadas domésticas, Reginaldo Rossi o é dos garçons.
O garçom é figura onipresente em todos os casos de cornagem mal resolvida, de bebedeira para apaziguar a honra do chifre ferido. Contudo, comum e injustamente, o garçon é sempre aquela figura que passa ao fundo da cena, um mero figurante do drama diário dos que envergam a famosa peruca de touro.
Nada mais injusto. O garçom não é apenas o cara que carrega a bandeja. Ele presta um enorme e imprescíndivel serviço social, dar ouvidos ao corno desiludido. Sabe-se lá quantos e quantos cornos não teriam perdido a cabeça e matado suas traidoras e respectivos ricardões, ou mesmo posto fim à própria vida, se não fosse a certeza de encontrar o ombro amigo do garçom no bar mais próximo?
O garçom é o CVV do corno!
Todos cantam, cantaram e sempre cantarão o chifre, o inesgotável combustível de nossa música, o pré-sal de nosso cancioneiro. De Amado Batista a Chico Buarque, de Waldick Soriano a Tom Jobim, de Bartô Galeno a João Gilberto, de Diana a Dolores Duran, passando por Maísa e Ângela Ro Ro, todos já cantaram o chifre, mas ninguém cantara em honra aos garçons.
Pois Reginaldo Rossi lhes fez justiça. Trouxe os garçons para a frente da câmera, para o plano principal. Fê-los protagonistas de um dos episódios mais corriqueiros dessa nossa divina comédia humana.
A história da música nos chega pela boca do próprio Rossi, que tinha acabado de levar um baita de um chifre e ido ao bar beber, desabafar com o garçom :
"Eu saí pra o bar, comecei a beber, a chorar...  Aí o garçom chegou junto de mim e disse, Rossi, por que tão triste, por que chorando tanto? Eu disse, garçom, acabei de levar o maior chifre da minha vida. Ele disse, deixa pra lá, Rossi, faz uma música. Aí, eu disse, é mesmo. Aí peguei um papel e comecei a escrever a letra do Garçom, terminei, mostrei pra ele e ele disse, tá ótimo. Eu disse, tá boa, será que vai fazer sucesso? Ele olhou dentro dos meus olhos e disse, Rossi, vai ser o maior sucesso. Eu disse, por quê? Ele olhou pra mim outra vez e disse, porque você não é o único corno do Brasil."
Garçom
(Reginaldo Rossi)
Garçom
Aqui, nessa mesa de bar
Você já cansou de escutar
Centenas de casos de amor

Garçom
No bar todo mundo é igual
Meu caso é mais um, é banal
Mas preste atenção, por favor

Saiba que o meu grande amor
Hoje vai se casar
Mandou uma carta pra me avisar
Deixou em pedaços meu coração

E pra matar a tristeza
Só mesa de bar
Quero tomar todas
Vou me embriagar
Se eu pegar no sono
Me deite no chão

Garçom, eu sei
Eu estou enchendo o saco
Mas todo bebum fica chato
Valente, e tem toda a razão

Garçom, mas eu
Eu só quero chorar
Eu vou minha conta pagar
Por isso eu lhe peço atenção

Saiba que o meu grande amor
Hoje vai se casar
Mandou uma carta pra me avisar
Deixou em pedaços meu coração

E pra matar a tristeza
Só mesa de bar
Quero tomar todas
Vou me embriagar
Se eu pegar no sono
Me deite no chão

Reginaldo Rossi, 1944 - 2013

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