Florbela Espanca, o Crisântemo Roxo que Descora

Em conceito, gosto de poesia. Na prática, tenho pouca paciência para ela. Poucos são os poetas sobre cujas obras consigo deitar os olhos mais atentamente, mais demoradamente. Manuel Bandeira, Augusto dos Anjos, Álvares de Azevedo, Álvaro de Campos, e mais uns três ou quatro.
E tem Florbela Espanca. Geralmente, não gosto de poetisas. Homem faz poesia muito melhor que mulher.
Antes que alguma feminista suvacuda e de peitos caídos resolva botar meu nome na boca do sapo, direi duas coisas : a primeira é que é verdade, e a segunda é que tenho uma hipótese para a superioridade poética masculina.
Mulher pode até ser mais sensível e coisa e tal, mas suporta bem mais e melhor a dor que o homem, talvez até por sua natureza de parir. Mulher aguenta a dor calada, não costuma reclamar por coisa pequena.
E o que é a poesia se não o choramingar por qualquer dorzinha, a autopiedade por qualquer revés, o fingir dor? Por isso, poetas homens são melhores, muito melhores que as mulheres. Homem chora e reclama por qualquer porcaria, e de tanto ficarem chorando as pitangas, óbvio, acabam se tornando melhores em tal ofício, mestres do exagero. O poeta é um exagerado.
Pois Florbela escreve como homem. Publicou duas obras em vida : Livro de Mágoas (1919) e Livro de Sóror Saudade (1923). O que, cronologicamente, a colocaria no Modernismo Português, cronologicamente...
Não tenho formação específica em letras nem em literatura, mas me parece que Florbela é muito mais segunda geração do romantismo - a geração do Mal do Século - do que Modernismo. Todos os elementos dos ultrarromânticos estão em Florbela : individualismo (o EU é tema recorrente em seus sonetos), dúvida, desilusão, melancolia, solidão, fuga, tédio, certa morbidez e atração pela morte, ou seja, o genuíno spleen byroniano. 
E mais : Florbela tentara o suicídio por duas vezes antes de ser diagnosticada com edema pulmonar, em 1930, o que a levou a uma terceira e exitosa tentativa, morreu aos 36 anos por overdose de barbitúricos. Não foi de tuberculose nem aos 21 anos, mas impulsionada por um edema pulmonar e aos 36. Puro mal de século.
Curiosidade : Fagner, que não é bobo nem nada, musicou dois poemas de Florbela Espanca, Fumo e Fanatismo.
Abaixo, dois sonetos de Florbela.

Eu
Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida! ...

Sou aquela que passa e ninguém vê ...
Sou a que chamam triste sem o ser ...
Sou a que chora sem saber porquê ...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!

Dizeres íntimos
É tão triste morrer na minha idade!
E vou ver os meus olhos, penitentes
Vestidinhos de roxo, como crentes
Do soturno convento da Saudade!

E logo vou olhar (com que ansiedade! ...)
As minhas mãos esguias, languescentes,
De brancos dedos, uns bebês doentes
Que hão-de morrer em plena mocidade!

E ser-se novo é ter-se o Paraíso,
É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,
Aonde tudo é luz e graça e riso!

E os meus vinte e três anos ... (Sou tão nova!)
Dizem baixinho a rir: “Que linda a vida! ...”
Responde a minha Dor: “Que linda a cova!”

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1 Comentários

  1. "sou talvez a visão que Alguém sonhou,
    Alguém que veio ao mundo pra me ver
    E que nunca na vida me encontrou"

    Isso é realmente poético! Meus arremedos de textos sentimentais até ficaram envergonhados rsrs.
    PS: #madrugando
    "J"

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