Os Heróis Na Minha Blusa Não São os Que Você Usa

Até por instinto de sobrevivência, por memória genética gregária da espécie, a grande maioria tende à una forma, ao uniforme, ao cara de um, focinho do outro. A maioria tem a necessidade de pertencer, de se reconhecer no outro, de ser reconhecido pelo outro, de considerar mavioso o mugido do grupo, e ser elogiado por esse por sua bela voz.
Donde, a moda. Que não é roupa, sapato, música mais ouvida ou livro mais vendido; num conjunto de dados matemáticos, moda é o valor mais recorrente. 
Justiça seja feita, a moda, o querer parecer com a turba, o querer mimetizar o rebanho, o achar agradável o cheiro do estrume alheio, acrescenta grande força à espécie : duas cabeças pensam melhor que uma; milhares de cabeças pensam igual a uma única. 
É inegável a força bruta que isso adiciona ao bando, é como se a força de milhares, milhões de cérebros, se associassem, em uma única intenção, comumente a errada, a serviço de um mesmo corpo.
Reconheço a força, o valor, e mesmo a necessidade do coletivo burro e forte, mas, como ser criador, não a respeito, desprezo-a. Cago para a uniformidade, para as regras de convívio social. 
Não dou bom-dia, não digo até amanhã, não pergunto pelos familiares de meu indesejável, porém, muitas vezes, inevitável interlocutor, não digo vai com deus.
Causa-me asco, e só não vomito porque meu estômago é forte, calejado que foi por anos de cerveja, o odor adocicado da colmeia; faz as tripas me subirem à boca a distribuição normal, a curva de Gauss, a boca do sino, os arquétipos da psicologia, jaulas sem grades nem tranca nem cadeado, camisas de forças pseudocientíficas a quererem me bem vestir para o baile de horrores da natureza humana.
Uniformidade, eu respeito quase que nenhuma; poucas e honradíssimas exceções.
Uma delas : Paula Toller, do Kid Abelha, musa do rock dos 80 e, ainda hoje, uma coroa das mais desejáveis e apetecíveis. Se todas fossem iguais à Paula Toller, que maravilha viver.
E é dela, e do seu grupo Kid Abelha, a canção Uniformes, uma das que mais gosto. Não só dos Abóboras Selvagens, como também de toda a gloriosa década de 1980.
Será que um dia a gente vai se encontrar? Quando os soldados tiram a farda pra brincar...

Uniformes
(Kid Abelha)
Eu ouço sempre os mesmos discos
Repenso as mesmas idéias
O mundo é muito simples
Bobagens não me afligem
Você se cansa do meu modelo
Mas juro, eu não tenho culpa
Eu sou mais um no bando
Repito o que eu escuto
E eu não te entendo bem

E quantos uniformes ainda vou usar
E quantas frases feitas vão me explicar
Será que um dia a gente vai se encontrar
Quando os soldados tiram a farda pra brincar

A minha dança, o meu estilo
E pouco mais me importa
Eu limpo as minhas botas
Não sou ninguém sem elas
Você se espanta com o meu cabelo
É que eu saí de outra história
Os heróis na minha blusa
Não são os que você usa
E eu não te entendo bem

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