Profissão : Bundão

Somos átomos e moléculas. Extremamente complexos, intrincados, evoluídos, e com mania de grandeza. Mas ainda átomos e moléculas.
A capacidade mais notável dos átomos, ao meu ver, é sua habilidade de se combinarem em moléculas cujas forma e estrutura são a mais justa medida à função que irá desempenhar. Cada molécula tem sua especificidade, que é dela e ninguém tasca.
Um dos exemplos mais bonitos disso são os anticorpos, proteínas que combatem os antígenos, agentes estranhos aos organismos : não há anticorpo capaz de combater dois ou mais tipos de antígenos, nem antígeno que possa ser debelado por dois ou mais tipos de anticorpos.
Vivemos num universo fractal, o que vale para o microcosmo se faz conduta obrigatória também para o macrocosmo. Assim como cada molécula têm sua especificidade, cada organismo é único em sua individualidade, compostos de moléculas que são.
Os seres vivos não podem se furtar em obedecer às leis que regem os átomos - nem mesmo o ser humano, o aglomerado de moléculas mais metido a besta que há -, e inúmeros são os exemplos de forma-função. Peixes que se assemelham a algas para serem vítimas mais difíceis e melhores algozes, outros, os abissais, com seus corpos gelatinosos para sobreviver a profundidades cujas pressões esmigalhariam o mais duro dos ossos, insetos que imitam gravetos, flores com pétalas manchadas de forma a parecerem fêmeas de insetos e atrair os machos para que tentem copular com elas, carregando assim o seu pólen, pássaros de mesma espécie e com os bicos diferentes conforme o alimento disponível etc etc.
Isso não acontece com o ser humano, dizem os desatentos, desinformados e seguros de seu "diferencial superior" em relação à natureza que os rodeiam. Idiotas.
Ainda que em menor grau, o fenômeno forma-função se dá entre humanos. Não são apenas nossas habilidades intelectuais a se ajustarem ao nosso ofício, também nossas características físicas. 
O exemplo mais gritante disso é a variante da espécie humana conhecida como Homo Bundus. Tal adaptação ocorre mais comumente em pessoas ligadas à área burocrática e atinge seu ápice evolutivo se for ainda vinculada ao serviço público.
São aqueles espécimes que passam o dia todo sentados e comendo, exigindo um grande esforço de seus glúteos. Em seu socorro, o organismo começa a reforçar o bundão, começa a acolchoá-lo para que melhor suporte o suplício. São aqueles espécimes de bundas elefantinas, visivelmente desproporcionais ao restante de seu corpo - igualmente não pequeno. E quanto mais alta a função ocupada na hierarquia, maior o tempo sentado sem fazer nada e maior o bundão. É uma espécie de calo, acho que podemos considerar o bundão até como uma modalidade de LER, uma lesão por esforço repetitivo.
Desgraçadamente, sempre observei o fato e, para mim, isso já eram favas contadas. Trabalho no serviço público. Dirigentes, supervisores, diretores, coordenadores e que tais, apresentam esse exato e invariável biótipo. A mim, nunca restaram dúvidas sobre essa adaptação lamarckiana.
Ontem, li uma notícia que só veio a confirmar o que eu já sabia. Aliás, como sempre. De uns tempos para cá, a ciência não consegue deixar de não me surpreender.
Uma recente pesquisa da Universidade de Tel Aviv (Israel) "descobriu" que ficar muitas horas sentado faz a bunda crescer. Segundo eles, a explicação é simples : "o sujeito sentado por longo período aumenta em 50% os depósitos de gordura na região glútea. Em prolongado tempo sem atividade física, as células pré-adiposas tendem mais facilmente a se transformar em células de gordura. Elas migrariam pelo corpo, através dos músculos, e ficariam depositadas nos glúteos."
E não adianta aposentar e achar que vai voltar a ter bundinha. Uma vez instaladas, as células adiposas não mais arredam pé dali. É uma herança laborial. Só para constar, o trabalho  foi publicado na revista "American Journal of Physiology - Cell Physiology".
A inexorável forma-função se impõe, sim, aos seres humanos.
Eu sempre soube !!!
É por essas e por outras que todo cuidado é pouco na hora de escolher o urologista que irá perscrutar nossa indefesa próstata.

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