O (Nada) Admirável Mundo Novo

Em o Admirável Mundo Novo, seu autor, Aldous Huxley, retrata uma sociedade altamente tecnológica. E completamente imbecilizada. Em 1984, George Orwell, mostra um Estado britânico absolutista e totalitário que impõe seu domínio pelo terror e repressão. O mundo de Huxley é igualmente absolutista e totalitário, mas nele as pessoas não se apercebem disso, o controle é exercido pelo entretenimento e o prazer. Muito mais sábios, os ditadores de Huxley.
Por mais difícil que seja se libertar de um Estado opressor, sempre existirão pessoas tentando, querendo. E quem quer se livrar de um Estado onde a ordem é diversão e prazer? No mundo de Huxley, as atividades individuais (ficar um tempo sozinho, lendo, falando com seus botões) não são incentivadas, e seus "praticantes" são vistos com desconfiança. 
Há um departamento do governo especializado em criar atividades coletivas de recreação, tudo deve ser feito em bando. Tudo é festa no mundo de Huxley, tudo é oba-oba. Huxley inventou (ou anteviu, como todo bom profeta) o "ficar", tão em moda entre os adolescentes de hoje, e também entre uns adultos anacrônicos e idiotas. Alguém que saísse por duas ou três vezes consecutivas com a mesma pessoa, já era visto com maus olhos.
Há castas no mundo de Huxley (como em todos os mundos), e cada  uma delas é condicionada a pensar que cumpre sua função, ensinada a valorizar seu cotidiano (por pior que ele seja), a não querer nada que não tenha, é adestrada para pensar que é tão importante e imprescindível ser um delta (uma espécie de um favelado analfabeto) quanto um alfa (a casta dominante).
E se tudo falhasse - se alguém, em algum momento dessa agitação toda, dessa proposital falta de tempo imposta às pessoas, ainda arrumasse um tempinho para respirar sozinho, pensar um pouco, e fosse tomado por dúvidas e inquietações -, havia o SOMA. 
O soma era a droga perfeita, o sujeito tomava e todas suas inquietações e angústias se esvaíam. Os governantes bem sabem que é da superação das dificuldades que vem o crescimento do sujeito, é aguentar e digerir a porrada que vai fazer dele um homem. Drogue-o e tire dele a dor. E o amadurecimento. E, em alguns casos, a genialidade. Veja trecho abaixo:
“O mundo agora é estável. As pessoas são felizes, têm o que desejam e nunca desejam o que não podem ter. Sentem-se bem, estão em segurança; nunca adoecem; não tem medo da morte; vivem na ditosa ignorância da paixão e da velhice, não tem esposas, nem filhos, nem amantes, por quem possam sofrer emoções violentas; são condicionadas de tal modo que praticamente não podem deixar de se portar como devem. E se acaso alguma coisa andar mal, há o soma”. 
Segundo definição do presidente lá deles, o soma tem "todas as vantagens do Cristianismo e do álcool; nenhum dos seus inconvenientes".  Uma droga que não traz a ressaca nem a culpa cristã. Alguém consegue imaginar maior primor? 
Esse rápido e incompletíssimo (quase leviano) apanhado que fiz do livro, escrito em 1932, lembra a alguém de algum outro "mundo"? De alguma outra época?
Hoje, todas as frustações são proibidas. A tristeza é vista como chatice e mau-humor; o senso crítico, como rabugice. Ficar triste e puto da vida não são doenças, ainda mais num mundo como o atual. Antes pelo contrário, são sinais de plena saúde mental. O adolescente fica triste, a mãe não quer nem conversa, dá-lhe psicólogo, psiquiatra e tarja preta. Aí, a mãe também se frusta por não dar conta do filho; tarja preta pra ela também.
Todo crescimento é acompanhado de mudanças, e mudanças nos deixam inquietos e apreensivos, é normal. É normal que soframos com essas inquietações e aprendamos a contorná-las. É o que antigamente costumávamos chamar de amadurecimento. 
Hoje, o corpo continua a crescer e a mente é poupada das angústias que isso traz; é "poupada" também do aprendizado. Resultado : gerações cada vez mais frouxas, incapazes de digerir qualquer porrada ou contratempo (o que, na minha época, chamávamos de o grandão e bobão). Ideais para qualquer governante deitar e rolar.
Tudo isso porque li, agora, que uma nova droga está prestes a ser lançada no mercado, no mercado legal, o mercado médico e farmacêutico : o hormônio oxitocina. Conhecida como o "hormônio do amor", a oxitocina é um neurotransmissor que dá sensação de prazer a certas áreas cerebrais. Ela está relacionada ao prazer feminino e também é liberada em grandes quantidades na hora do parto e da amamentação.
Segundo estudo da Universidade de Concordia University, no Canadá, a inalação, via spray, desse hormônio pode ajudar uma pessoa tímida a se sentir mais extrovertida. Ele torna as pessoas mais abertas, sociáveis e melhora a autopercepção quando se está na companhia de outras pessoas, altera a forma como os sinais sociais no entorno externo são processados, codificados e interpretados. 
Ou seja, dá uma dopada no sujeito e faz com que ele veja o mundo e a si mesmo de outra forma, fica mais confiante, mais certo de suas qualidades (muitas vezes, inexistentes); o cara é um zé mané, a oxitocina faz ele pensar que é o Brad Pitt e "cura" sua timidez e outras "fobias sociais". E o que é melhor (olha o soma aí), até agora não foram constatados efeitos colaterais nos grupos submetidos ao estudo.
Os resultados estão sendo comemorados como um avanço da medicina psiquiátrica.
Sim, um avanço. Mais um avanço rumo à extinção da têmpera humana que nos trouxe das cavernas até aqui. Mais um avanço rumo ao fim da macheza e da paudurescência. Um avanço rumo à extinção.
Fonte : Zero Hora

Postar um comentário

1 Comentários

  1. Oi azarão, feliz Natal para vc que é ateu. Essa tal oxitocina dá mesmo um barato incrível.

    ResponderExcluir