Habemus Impeachment (Ou : Deus Também Votou Pelo Sim)

Reza a mitologia católica que é o Espírito Santo quem escolhe o Papa. Os cardeais parte do conclave nada mais são que meros receptores-transmissores da voz do terceiro em comando da Santíssima Trindade, radinhos de pilha da rádio CBN do Senhor.
Sendo assim, alguns aspectos da eleição papal sempre me deixaram meio com a pulga atrás da orelha. Se é o Espírito Santo quem escolhe, não bastaria um cardeal para lhe dar voz? Na última eleição papal, cento e quinze cardeais votaram. Mais : se é o Espírito Santo quem sopra o nome do novo Papa no ouvido dos cardeais, por que nem sempre a decisão é unânime? Muitas vezes, inclusive, a eleição precisa ser repetida até que seja alcançado o número de votos necessários e, finalmente, a fumaça branca saia pela chaminé a anunciar o novo chefão católico.
Tenho uma teoria - herege, é claro - para essa tão profunda questão eclesiástica. O Espírito Santo tá lá, curtindo a sua merecida eternidade e, de repente, chega um querubim com uma convocação do Senhor, é a hora de eleger um novo Papa.
- De novo, Senhor? O último já morreu? O Senhor deveria fazê-los mais duráveis, mais longevos.
- Olha a blasfêmia, Santinho (que é como Deus chama carinhosamente o Espírito Santo).
- Desculpe, Senhor, é que foi ainda um dia desses...
- Esse não morreu, Santinho, renunciou, não aguentou o tranco de umas denúncias de umas putarias lá no Vaticano, rede de prostituição de coroinhas saradões, pedofilia, o de sempre, Santinho, mas agora tem a porra dessa internet que o Demônio inventou e todo mundo fica sabendo das intimidades do clero.
- Renunciou só por causa dessas coisinhas? O Senhor bem que já os fez com mais fibra e têmpera, mais guerreiros.
- Tá insolente, hoje, hein, Santinho? Com essa crise que tá aí fora, eu meto o pé na sua bunda e tá cheio de espírito desempregado por aí disposto a trabalhar por metade do que você ganha, e aqui no Céu não tem seguro desemprego, bolsa família, essas porras, não. Além disso, a culpa é sua, não é você quem os elege? Quem mandou escolher um frouxo?
- Xeque-mate, Senhor.
A contragosto, puto da vida - um funcionário público do Céu -, o Espírito Santo se dirige à Terra para fazer seu papel de cabo eleitoral. No caminho, o Espírito Santo vem pensando, eu podia tá sossegado agora, coçando meu santo saco, contemplando o cosmos, lendo uns salmos do Rei Davi, tomando um bom vinho da vinícola de Noé, bem melhores do que os que Cristo produz, ouvindo uma orquestra de harpas de querubins e trombetas de arcanjos, podia estar atrás de uma virgem pra descabaçar, e tenho que deixar o bem bom para ir eleger a merda de um outro Papa.
Chega no Vaticano com uma puta duma má vontade e age como qualquer funcionário público, procrastina o seu serviço. Ele podia simplesmente chegar e já falar logo o nome do novo Papa. Mas não. Resolve enrolar e dar um cansaço naqueles que prescindem de seu serviço. Não por incompetência, mas para se divertir um pouco. Você acha mesmo que todo funcionário de repartição pública é incompetente? Porra nenhuma. A maioria conhece muito bem de seu riscado, eles passaram num concurso de provas e títulos. Mas ficam com aquelas exigências todas - protocolos disso, daquilo e daquiloutro, cópias autenticadas da certidão de nascimento da bisavó etc etc - só de sacanagem. O cara tá preso o dia inteiro ali, tem que se divertir de alguma forma, então, fica dando uma zoada na cara do contribuinte.
O Espírito Santo é igual. Antes de revelar o nome do novo Papa, ele dá uma sacaneada no Conclave, sopra um nome no ouvido de cada cardeal : Pio XII, para um; Leão V, para outro; Bento XVI, Clemente X, Francisco I, Maluf IV, e assim por diante. Só para ver a fumaça preta sair e a cara de decepção, ansiedade e angústia dos fiéis à espera. Aí, quando se cansa, ele entrega o jogo e pica a mula, vai entregar o relatório ao Senhor.
Toda essa lenga-lenga porque a votação pelo prosseguimento do impeachment da Dilma, ontem, me lembrou muito uma eleição papal. Porém, como o impeachment da esquizofrênica da Granja do Torto é questão de muito maior relevância e urgência cósmica que a eleição do Papa, Deus não deixou a missão à cargo de seu subalterno, não a colocou nas mãos do medalha de bronze da Santíssima Trindade : veio Ele mesmo ao plenário da Câmara dos Deputados.
Noventa por cento, pelo menos, dos votantes que eu ouvi, declararam que seus votos eram em nome de Deus. Era Deus a usar os deputados, feito o Espírito Santo aos cardeais, para verbalizar sua divina voz e decidir pelo andamento ou não do impeachment da Dilma. Do lado de fora da Câmara dos Deputados, os eleitores esperavam para ver subir aos céus do Planalto a fumaça verde e amarela, ou a vermelha.
A decisão, assim como a eleição para Papa, não foi unânime. Deus também gosta de dar uma sacaneada, de criar um clima de tensão, de gerar beligerâncias, é o passatempo preferido Dele.
E a fumaça que subiu foi a verde e amarela.
Habemus impeachment.
Deus falou por todos os deputados e decidiu pelo prosseguimento do processo do impeachment. Deus quer o impeachment da Dilma.
Resta agora o Senado, onde, espero, não seja o Capeta a falar pelos senadores, pois esse, o Cramunhão, o Belzebu, o Coisa-ruim, é vermelho de nascença.

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