Os Caçadores da Boceta Perdida

Em minhas curtas, lacônicas, praticamente misantrópicas conversas virtuais com o Jotabê, todas feitas via comentários de um no blog do outro - sem nenhuma viadagem -, uma besteira vai puxando a outra, que vai puxando a outra e muitas vezes deságua em inimagináveis absurdos e disparates.
Em resposta a um de meus comentários, disse-me que o fiz lembrar de um antigo colega, viciado em rapé, que frequentemente falava : "deixa eu pegar minha bocetinha".
Boceta, para os mais novinhos e, portanto, incultos, nada mais é que uma pequena caixa, redonda, oval ou oblonga, feita de materiais diversos, madeira, metais nobres, porcelana etc, que era usada para guardar pequenos objetos e, sobretudo, rapé. Rapé nada mais é que o fumo moído, o tabaco em pó. 
Cheirar rapé era visto como hábito elegante nos séculos XVIII, XIX e inícios do XX. O sujeito, da realeza ou da burguesia, de fraque e monóculo, tirava a sua boceta de rapé do bolso interno do paletó, abria a boceta, tomava uma pitada de rapé com o dedo mínimo, levava-a ao nariz e aspirava. Aí, era só esperar o espirro, que, segundo se acreditava à época, tinha propriedades terapêuticas de desobstruir as vias áreas, melhorar o desempenho dos pulmões e da respiração.
O poder aquisitivo do cheirador de rapé se refletia no tipo de boceta que ele portava. Os menos abastados as tinham em madeira entalhada, ou mesmo em papel machê; os mais remediados as possuíam em porcelana ou madrepérola; e o mais afortunados, em prata ou mesmo ouro. É assim até os dias de hoje e para sempre o será : quanto mais dinheiro o cara tem, melhor a boceta que ele traz consigo.
Eu, em menino, com uns 6 ou 7 anos talvez, vi a minha primeira boceta. Na verdade, não era minha. Era do avô de um amigo meu da rua, um vizinho. Há quarenta anos, um pouco mais, era costume as pessoas levarem suas cadeiras para as calçadas e conversarem até a hora de se deitar; já havia televisão, mas ainda em preto e branco e, se muito, existiam 3 ou 4 canais.
Então, o avô desse meu amigo se sentava escarrapachado em sua espreguiçadeira e dava umas boas dumas fungadas em seu rapé ao longo da noite, sempre tendo o cuidado de bem fechar a bocetinha depois de usá-la. A dele era em prata, herança de seu bisavô, homem de posses cujo patrimônio as gerações subsequentes de filhos e netos deram conta de liquidar. Ele nunca deixava nem o neto nem eu nem ninguém pôr a mão em sua bocetinha de prata. O velho tinha grande apego e afeição pela sua boceta.
Eu mesmo só fui tocar, apalpar, abrir e cheirar o conteúdo da minha primeira boceta quase duas décadas depois, mas isso já é outra história.
Agora, como a boceta, a de rapé, tomou também o significado de buceta, a do cacete, eu não sei. Dei até uma pesquisada, mas nada encontrei sobre a origem da correlação. Só posso supor que seja porque ambas são feitas para levar fumo.
Seja como for, tanto a boceta como a buceta sempre foram artigos de grande procura, sempre despertaram muita ambição e inveja. É tão grande a afeição do ser humano pela boceta que alguns que deixam extraviar o seu benquerer chegam a anunciar em jornais de grande circulação e prometer gratificação a quem encontrar e devolver a sua boceta perdida.
O anúncio abaixo é 1875, ano em que o jornal "O Estado de São Paulo" foi fundado, inicialmente com o nome de "A Província de S. Paulo". 
Já pensaram se a moda pega? Ou melhor, se a moda volta? É comum vermos cartazes colados em postes com fotos de bichos de estimação, com telefone para contato, dizendo que a criança que era dona do bichinho está triste e inconsolável, uma promessa de gratificação e a informação, "atende pelo nome de..."
Imaginaram? Se começa a aparecer fotos de bocetas coladas em poste, com telefone do dono, dizendo que o mesmo está triste e inconsolável, uma promessa de gratificação e a informação, "atende pelo nome de... xaninha, florzinha, peixinha, crespinha, cheirosinha, greta, periquitinha, fofinha, gininha etc"?
Pãããããããta que o pariu!!!

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3 Comentários

  1. este é só numa dica; lembrei de uma música engraçadíssima para sua seção "todo castigo". Meu pai adorava tango e tinha um disco do João Dias, se não me engano. Uma das músicas é "Porteiro suba e diga". Você acha a letra na web. Música de corno de zona, puteiro..

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  2. Ri pra caramba com seu texto. Mas uma vez ouvi a explicação que repasso agora. As bocetas mais populares, provavelmente de couro, quando abertas ficariam com o aspecto da "desejada". Daí a apropriação do nome.

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    1. Pensando bem, faz sentido. Mas será que alguém espirra também ao cheirar a "desejada"?

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