Se tem um cara que sabe escrever muito bem sobre a velhice - e não a fica chamando de terceira idade, melhor idade, feliz idade e outras escrotices - é o Jotabê, autor do excelente e espirituoso blog Blogson Crusoe.
Ele fala da velhice como o que ela é, algo natural, diz das óbvias limitações que ela traz, mas não faz isso em tom choroso ou de autocomiseração, faz de maneira leve, imprime - não sei se é intencional - um tom meio professoral, de quem dá conselhos aos mais jovens - 99,9% dos que o leem, segundo estimativa dele próprio -, eu nem diria conselhos, Jotabê dá umas dicas, uns toques, sem aquele ar solene de bronca e cobrança.
Acredito que Jotabê não goste da velhice (teria que ser louco ou masoquista para), mas vive em paz com ela, e isso é mostra de grande sabedoria, viver em paz com a decadência física, a qual eu, talvez 15 anos mais novo que JB, já começo a experimentar. Jotabê - tenho certeza - não é daqueles velhos "garotões", que se metem a usar bermudões, boné, andar pela ruas com seu iphone no ouvido ou baixar o nível de seu pensamento e vocabulário para falar a linguagem dos jovens. Está cheio de velhos por aí - e mais ainda de velhas - que fazem esse papel ridículo, eu conheço um punhado.
Em uma de suas últimas postagens, Pandores (esqueci : Jotabê é o rei do trocadilhos), ele escreveu :
"Para
ajudar, vou abrir a caixa de pandores da velhice para você (gostou dessa,
Marreta?): o futuro que te aguarda, meu amigo, não é nada róseo; é cinzento,
enfumaçado e quente pra caralho. Por isso, trate bem o seu corpo. É sério isso!
Porque,
como disse a Marina Lima, “só vou te contar um segredo”: as descobertas e
novidades da infância e da juventude surpreendem, alegram, fascinam, encantam ou
excitam. Na velhice, entretanto, as novidades e descobertas que restaram apenas
deprimem, irritam, angustiam, entristecem ou causam medo. E não há Pandora que
consiga consertar isso."
Concordo com você em quase tudo, Jotabê. Ficamos menos sensíveis às novidades, aos encantos. É que a vida é como qualquer outra droga, fazem-se necessárias doses cada vez maiores para que o mesmo efeito de antes seja atingido. Não é que nós, velhos, sejamos incapazes de nos surpreender, de nos encantar, ou, isso é que não, de nos excitar. Só precisamos de estímulos mais selecionados, mais refinados, temos paladares mais exigentes, nos tornamos mais contemplativos, e ser contemplativo não é ser triste ou amargurado.
Só não concordo com a parte, e não há Pandora que consiga consertar isso. Há sim, Jotabê. Uma boa boceta de Pandora pode ser a cura para todos os males que ela mesma contém aprisionados : é o princípio do homeopatia, Similia similibus curantur, semelhante cura semelhante. A questão é ter coragem para abrir a boceta de Pandora. Se eu tenho? Não, já estou velho demais para isso.
Toda essa lenga-lenga - a minha e a sua, Jotabê - some frente ao talento e ao poder de síntese da música de Adoniran Barbosa, ou seja, à simplicidade própria de todo gênio, que versou de forma irretocável sobre o assunto em sua canção, Já Fui uma Brasa. Demonstrando que não existe velho broxa, o que existe é brasa mal assoprada. Se assoprarem, podemos muito bem acender de novo.
abraços, JB.
Já Fui Uma Brasa
(Adoniran Barbosa)
Eu também um dia fui uma brasa
E acendi muita lenha no fogão
E hoje o que é que eu sou?
Quem sabe de mim é meu violão
Mas lembro que o rádio que hoje toca iê-iê-iê o dia inteiro,
Tocava saudosa maloca
Eu gosto dos meninos destes tal de iê-iê-iê, porque com eles,
Canta a voz do povo
E eu que já fui uma brasa,
Se assoprarem posso acender de novo
(declamado):
É negrão... eu ia passando, o broto olhou pra mim e disse: é uma cinza, mora?
Sim, mas se assoprarem debaixo desta cinza tem muita lenha pra queimar...
E acendi muita lenha no fogão
E hoje o que é que eu sou?
Quem sabe de mim é meu violão
Mas lembro que o rádio que hoje toca iê-iê-iê o dia inteiro,
Tocava saudosa maloca
Eu gosto dos meninos destes tal de iê-iê-iê, porque com eles,
Canta a voz do povo
E eu que já fui uma brasa,
Se assoprarem posso acender de novo
(declamado):
É negrão... eu ia passando, o broto olhou pra mim e disse: é uma cinza, mora?
Sim, mas se assoprarem debaixo desta cinza tem muita lenha pra queimar...
2 Comentários
O flocorístico e ótimo sambista da velha guarda Adoniran Barbosa, costumava sair com essa: Eles pensam que eu não sei falar NÓS VAMOS... São uns coitados!!! Eu também falo NÓS VAMOS, se eu quiser... Naquele seu linguajar peculiar, enquanto viveu entre nós, o bom Adoniran sempre fez seus sambinhas e seus trenzinhos também...
ResponderExcluirEmbora extremamente agradecido pelos elogios (imerecidos) e pela propaganda do velho Blogson, preciso dizer que recuso veementemente o papel de consultor para assuntos de terceira idade. O que eu sou mesmo é arauto, a "voz que clama no deserto". Por isso, do baixo (não dá para ficar muito alto) dos meus 65 anos, lanço um alerta: a pipa do vovô é igual bandeira de órgão público quando morre alguém muito importante: fica a meio pau.
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