Se houve um sujeito (e digo houve porque as novas gerações de fãs de quadrinhos certamente nunca ouviram falar dele) odiado, execrado, abominado pelos aficionados em HQ das décadas de 50, 60, 70 e 80, se houve um filho da puta que seria amarrado a um poste e malhado feito um Judas e depois ainda empalado caso aparecesse numa Comicon, supondo que elas existissem à época, esse sujeito seria o psiquiatra Frederic Wertham.
Foi esse canalha que, em 1954, publicou o livro A Sedução dos Inocentes, cujas heréticas páginas colocava os quadrinhos de super-heróis, policiais, de terror e mistério no banco dos réus. As acusações do crápula : incitação à delinquência juvenil, ao uso de drogas e entorpecentes, à paronoia e à esquizofrenia, e o pior : segundo o doutor - que em seu currículo consta ter sido correspondente de Freud, um outro maníaco comedor de bosta e com tesão na mãe -, os quadrinhos levavam os adolescentes ao afrouxamento da rosca, à comichão do brioco, ao tesão na argola.
E os culpados de toda a viadagem enrustida da América : Batman e Robin.
Segundo o doutor, eles representavam os desejos de dois homossexuais vivendo juntos em condições escusas e de clandestinidade. Tanto que, à época, quando um sujeito assumia sua boiolagem, era usual dizerem : o fulano soltou a morceguinha, saiu da bat-caverna.
E tudo com base em um quadrinho em que Batman e Robin se trocavam na bat-caverna separados apenas por um biombo, que deixava entrever as sombras musculosas dos dois através de seu diáfano tecido. Frederic Wertham deve ter ficado excitadíssimo. Deve ter tocado muita bronha para as silhuetas definidas de Bruce Wayne e Dick Grayson. Como podemos ver, o "trabalho" do psiquiatra era realmente "muito bem fundamentado", com sólidos argumentos "científicos". Aliás, próprio aos da psiquiatria, psicologia, psicanálise etc.
Em virtude da publicação de A Sedução dos Inocentes, Wertham foi chamado a depor sobre delinquência juvenil na subcomissão do Senado do Tio Sam, e o resultado direto de seu depoimento foi a criação do Comic Code Authority, um código de censura para os quadrinhos sem cujo selo estampado nas capas, certificando a "qualidade" do material, o gibi não poderia ser publicado. Uma verdadeira Letra Escarlate dos quadrinhos.
Aqui, porém, assumo um pouco o papel de advogado do diabo e pergunto se o doutor estava mesmo totalmente desprovido de razão - tanta da razão psíquica como da analítica, a que se funda em argumentos.
Estaria o bom doutor a ver pelo em ovo, chifre em cabeça de cavalo, paudurescência em sunga de velho?
Vejamos.
Tempos de plena liberdade tendem a ser tão perigosos quanto os de férrea opressão. Excessos podem ser cometidos - e sistematicamente o são - tanto em uma democracia quanto em uma ditadura. Irmãs xifópagas, a liberdade e a tirania. Tanto que períodos longos de uma acabam por exigir períodos da outra.
Uma longo período de despotismo, de proibições, de falsos moralismos, de castração, acaba por eclodir em revolta, em revolução por liberdade, por um respiradouro. Um extenso período de liberdade acaba por afluir em desregramento, licenciosidades, libertinagens, devassidões mil e perda do norte; aí vem a vontade/necessidade de alguém que ponha ordem na casa, que assuma uma linha mais dura, que restrinja o Carnaval aos quatro dias que lhe é destinado. E o ciclo se repete, ad infinitum.
É triste. Mas é parte da dual e inerraigável indecisão e insatisfação humana, incapaz de se pautar pela moderação, pelo caminho do meio.
A década de 50 foi uma década de euforia para os EUA, eles haviam acabado de vencer a 2ª Guerra Mundial e se tornado donos do mundo, uma era de prosperidade se anunciava, a América e o resto do mundo estavam livres do terrível Eixo. Liberdade era a palavra de ordem. Não estaria certo o renomado doutor sobre possíveis excessos, decorrentes de toda essa euforia?
Esqueçamos o sutil e discreto biombo, que foi o pivô da suspeita do doutor sobre Batman e Robin, e tomemos outro quadrinho da dupla dinâmica.
Enquanto isso, na bat-caverna...
Robin : “Essa é a primeira vez que tivemos
a oportunidade de catalogar esses troféus desde que você retornou.
Nossa, Batman…lembra da sunga de couro? (a palavra THONG também pode ser
traduzida como chinelo de dedo, ou “tira de couro”) Ela ainda tem amarcas de seus dentes nela.”
Pããããta que o pariu!!!
Cuecão de couro, mano!!! Macho até debaixo de outro macho!!!
Aí, por mais que eu queira, não dá pra tirar a razão do doutor Wertham!
Algum bat-maníaco pode estar a me amaldiçoar e a dizer que o quadrinho acima, assim isolado, foi tirado de seu contexto original e usado para propósitos vis de desmoralizar o Cruzado Embuçado.
Admito que esse tipo de expediente, de ardil, de filha da putice - descontextualizar um trecho, um excerto e fazer uso tendencioso dele - é cada vez mais comum hoje em dia. Mas nesse caso? Em que outro contexto, a marca de seus dentes, Batman, ainda estão na sunga de couro pode significar outra coisa a não ser a marca de seus dente, Batman, ainda estão na sunga de couro?
Ponto para o doutor Frederic Wertham.
Touché!
Ippon!
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