O Elixir do Pajé

Você pode nunca ter ouvido falar de Bernardo Guimarães, ou ter ouvido e se esquecido dele, lá de suas aulas de literatura do ensino secundário, mas certamente sabe, ainda que não a conheça, como é meu caso, de sua obra mais famosa, A Escrava Isaura, que virou novela da Globo e coisa e tal, com a chatíssima Lucélia Santos no papel da protagonista. A novela fez um puta sucesso no Brasil e, um tempo depois, sucesso ainda maior na China e em Cuba; sim, em terras de Mao e Fidel. 
O sucesso foi tão estrondoso que Lucélia Santos chegou a visitar China e Cuba, onde foi recebida com honras e pompas dispensadas a um Chefe de Estado, como uma heroína nacional pelos líderes dos dois países, que recomendavam, inclusive, aos seus compatriotas, que assistissem à novela.
Será que os líderes vermelhos se reconheceram na luta dos escravos brasileiros por liberdade? Será que reconheceram suas revoluções na conquista da abolição da escravatura, se identificaram na pele do escravo oprimido? Porra nenhuma! Muito pelo contrário. Os líderes comunistas se identificaram, sim, com o senhor de escravos, interpretado pelo magistral Rubem de Falco, que, mesmo apaixonado, maltratava e açoitava a indefesa Isaura. Sim, reconheceram-se não no oprimido, sim no opressor. Pois não é a total servidão do povo o principal ideal do comunismo?
Mas voltando à vaca fria, Bernardo Guimarães foi muito bom de romance, aquela coisa de donzelas sofridas, de paixões arrrebatadoras, proibidas e nem sempre correspondidas, de esperar meses pela carta do amado, de suspirar de saudades, de morrer de amor. Mas, além de romântico, Bernardo Guimarães também era homem e, pããããta que o pariu, como era : teve oito filhos.
Por mais romântico, cândido e idílico que tenha sido Bernardo Guimarães, ele era homem, tinha um pau pra cuidar e alimentar, um caralho para dar de comer. E não é que, justamente por isso, o romântico Bernardo Guimarães sabia bem escrever uma boa putaria, sabia bem escrever com estilo e galhardia uma boa duma sacanagem?
Recebi a dica de meu amigo virtual Zé, do Blogson Crusoe, que, talvez, tendo lido a postagem "A Lenda da Piroga de Cristal" e solidário à minha solitária cruzada de divulgar o folclore nacional, recomendou-me o poema "O Elixir do Pajé", de Bernardo Guimarães.
O poema narra, de forma épica, a história de um broxa que encontra a solução para sua paumolescência no elixir de um pajé, cuja receita fora passada ao mesmo pelo próprio demônio; e, no fim, o broxa é eleito o rei dos caralhos!
Ao ler o poema (e rir pra caralho), não pude deixar de me lembrar de meu finado avô Pebim; Peb, para os íntimos. O velho safado Peb era o rei das poções, o monarca das garrafadas; tinha-nas em quantidade, guardadas sob a pia da cozinha. Algumas eram paregóricos de propriedades digestivas e purgativas, era notório o pantagruélico apetite do velho Peb, assim como suas quilogrâmicas, megadecibélicas e sulforosas cagadas. Outras, supúnhamo-nas afrodisíacas; igualmente notório (e notável) era o apetite sexual do velho Peb. O velho Peb era um sátiro e um glutão. 
Olhando atentamente para as garrafadas do Peb, tentando lhes adivinhar a composição, alguns tios reconheciam umas folhas de catuaba aqui, umas casquinhas sobrenadantes de amendoim ali, mas elas eram combinados complexos, intrincados e potentes das mais diversas e quase que desconhecidas ervas de nossa farmacopeia. Suas exatas e precisas formulações, assim como o ritual de sua preparação, morreram com o velho Peb.
Peb deve ter recebido suas receitas não do demônio, mas de alguém quase tão bom quanto ele, de seus antepassados da Calábria, machos das antigas, carcamanos e mafiosos, tutti buona gente! E o velho Peb não legou tão valiosa herança a nenhum dos seus, nem filhos nem netos. Tenho cá para mim que o Peb não considerou sua descendência digna de tal hereditariedade de conhecimentos; afinal, o que o velho Peb tinha de fogo e safadeza, os seus filhos e primeiros netos têm de sossego e mansidão. Aliás, se quiserem ter uma ideia da aparência física do Bepim, basta olhar pra foto do ex-presidente Figueiredo na postagem abaixo; cara de um, focinho do outro.
Agora, enfim, o poema "O Elixir do Pajé", a prosseguir em minha meta de difundir o bom folclore nacional e a agradecer ao Zé. Munam-se de um bom dicionário (como eu fiz) e deleitem-se com essa obra-prima da putaria, que literatura não se escreve somente com a pena, mas também com pau.
O Elixir do Pajé
(Bernardo Guimarães)
Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo pela perna abaixo?

Nessa postura merencória e triste
para trás tanto vergas o focinho,
que eu cuido vais beijar, lá no traseiro,
teu sórdido vizinho!

Que é feito desses tempos gloriosos
em que erguias as guelras inflamadas,
na barriga me dando de contínuo
tremendas cabeçadas?

Qual hidra furiosa, o colo alçando,
co'a sanguinosa crista açoita os mares,
e sustos derramando
por terras e por mares,
aqui e além atira mortais botes,
dando co'a cauda horríveis piparotes,
assim tu, ó caralho,
erguendo o teu vermelho cabeçalho,
faminto e arquejante,
dando em vão rabanadas pelo espaço,
pedias um cabaço!

Um cabaço! Que era este o único esforço,
única empresa digna de teus brios;
porque surradas conas e punhetas
são ilusões, são petas,
só dignas de caralhos doentios.

Quem extinguiu-te assim o entusiasmo?
Quem sepultou-te nesse vil marasmo?

Acaso pra teu tormento,
indefluxou-te algum esquentamento?
Ou em pívias estéreis te cansaste,
ficando reduzido a inútil traste?
Porventura do tempo a dextra irada
quebrou-te as forças, envergou-te o colo,
e assim deixou-te pálido e pendente,
olhando para o solo,
bem como inútil lâmpada apagada
entre duas colunas pendurada?

Caralho sem tensão é fruta chocha,
sem gosto nem cherume,
lingüiça com bolor, banana podre,
é lampião sem lume
teta que não dá leite,
balão sem gás, candeia sem azeite.

Porém não é tempo ainda
de esmorecer,
pois que teu mal ainda pode
alívio ter.

Sus, ó caralho meu, não desanimes,
que ainda novos combates e vitórias
e mil brilhantes glórias
a ti reserva o fornicante Marte,
que tudo vencer pode co'engenho e arte.

Eis um santo elixir miraculoso
que vem de longes terras,
transpondo montes, serras,
e a mim chegou por modo misterioso.

Um pajé sem tesão, um nigromante
das matas de Goiás,
sentindo-se incapaz
de bem cumprir a lei do matrimônio,
foi ter com o demônio,
a lhe pedir conselho
para dar-lhe vigor ao aparelho,
que já de encarquilhado,
de velho e de cansado,
quase se lhe sumia entre o pentelho.
À meia-noite, à luz da lua nova,
co'os manitós falando em uma cova,
compôs esta triaga
de plantas cabalísticas colhidas,
por sua próprias mãos às escondidas.

Esse velho pajé de pica mole,
com uma gota desse feitiço,
sentiu de novo renascer os brios
de seu velho chouriço!

E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea
de noite ou de dia,
fodendo se via
o velho pajé!

Se acaso ecoando
na mata sombria,
medonho se ouvia
o som do boré
dizendo: "Guerreiros,
ó vinde ligeiros,
que à guerra vos chama
feroz aimoré",
- assim respondia
o velho pajé,
brandindo o caralho,
batendo co'o pé:
- Mas neste trabalho,
dizei, minha gente,
quem é mais valente,
mais forte quem é?
Quem vibra o marzapo
com mais valentia?
Quem conas enfia
com tanta destreza?
Quem fura cabaços
com mais gentileza?"

E ao som das inúbias,
ao som do boré,
na taba ou na brenha,
deitado ou de pé,
no macho ou na fêmea,
fodia o pajé.

Se a inúbia soando
por vales e outeiros,
à deusa sagrada
chamava os guerreiros,
de noite ou de dia,
ninguém jamais via
o velho pajé,
que sempre fodia
na taba na brenha,
no macho ou na fêmea,
deitando ou de pé,
e o duro marzapo,
que sempre fodia,
qual rijo tacape
a nada cedia!

Vassoura terrível
dos cus indianos,
por anos e anos,
fodendo passou,
levando de rojo
donzelas e putas,
no seio das grutas
fodendo acabou!
E com sua morte
milhares de gretas
fazendo punhetas
saudosas deixou...

Feliz caralho meu, exulta, exulta!
Tu que aos conos fizeste guerra viva,
e nas guerras de amor criaste calos,
eleva a fronte altiva;
em triunfo sacode hoje os badalos;
alimpa esse bolor, lava essa cara,
que a Deusa dos amores,
já pródiga em favores
hoje novos triunfos te prepara,
graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho! 

Vinde, ó putas e donzelas,
vinde abrir as vossas pernas
ao meu tremendo marzapo,
que a todas, feias ou belas,
com caralhadas eternas
porei as cricas em trapo...
Graças ao santo elixir
que herdei do pajé bandalho,
vai hoje ficar em pé
o meu cansado caralho!

Sus, caralho! Este elixir
ao combate hoje tem chama
e de novo ardor te inflama
para as campanhas do amor!
Não mais ficará à-toa,
nesta indolência tamanha,
criando teias de aranha,
cobrindo-te de bolor... 

Este elixir milagroso,
o maior mimo na terra,
em uma só gota encerra
quinze dias de tesão...
Do macróbio centenário
ao esquecido mazarpo,
que já mole como um trapo,
nas pernas balança em vão,
dá tal força e valentia
que só com uma estocada
põe a porta escancarada
do mais rebelde cabaço,
e pode em cento de fêmeas
foder de fio a pavio,
sem nunca sentir cansaço...

Eu te adoro, água divina,
santo elixir da tesão,
eu te dou meu coração,
eu te entrego a minha porra!
Faze que ela, sempre tesa,
e em tesão sempre crescendo,
sem cessar viva fodendo,
até que fodendo morra!

Sim, faze que este caralho,
por tua santa influência,
a todos vença em potência,
e, com gloriosos abonos,
seja logo proclamado,
vencedor de cem mil conos...
E seja em todas as rodas,
d'hoje em diante respeitado
como herói de cem mil fodas,
por seus heróicos trabalhos,
eleito rei dos caralhos!
Bernardo Guimarães

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2 Comentários

  1. Na mesma linha, do mesmo autor: "A origem do mênstruo".
    Também se acha na internet.

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    1. Na pequena pesquisa que fiz sobre o autor, esse poema também apareceu, e já o li.
      Valeu pela dica, de novo.

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