E não é que existe uma nesga de pensamento racional nas religiões? Não
nas religiões propriamente ditas, mas em algumas pessoas a serviço
delas, em alguns de seus professos.
E não é que existem - poucos, é verdade, mas existem - padres racionais? Não católicos, claro. Que aí também já seria pedir um milagre de deus e, como todos sabemos, deus não existe.
Na Grã-Bretanha e na Irlanda, uma pesquisa entre padres anglicanos revelou os seguintes dados:
- 2% admitiram que Deus pode não existir, sendo o Todo-Poderoso, nesse caso, um construto humano, um produto da imaginação, um delírio coletivo. Pode não existir? Sempre muito moderados e polidos, esses padres. Sempre muito politicamente corretos. É claro que Deus - todos os que já existiram e todos os que porventura (ou desventura) vierem a existir - é criação humana. Onde estão os deuses gregos, egípcios, assírios, maias etc? Mortos. Finaram-se concomitantemente com as civilizações que os criaram. Ruíram as civilizações que os adoravam, ruíram juntos os deuses eternos. É óbvio que Deus não criou ninguém à sua imagem e semelhança, sim o oposto, deus é criado à imagem e semelhança de cada povo e época.
- 9% responderam que ninguém (logo, nem eles próprios) sabe como é Deus. Essa é melhor ainda. Deus é o objeto de trabalho do sujeito, é o ganha-pão dos padres, os padres gerenciam franquias de deus, são gigolôs do Pai Eterno, e aí o fiel chega para ele, pergunta como é deus e ele responde, ninguém sabe, meu filho, ninguém sabe. Maior 171. Maior picaretagem. Pergunte a um médico como é o quadro de uma pessoa com reumatismo, com artrite, com dengue, com faringite... ninguém sabe, meu filho, ninguém sabe. A um pedreiro, como fazer o alicerce de uma casa, como bem subir as paredes sempre no prumo... ninguém sabe, meu filho, ninguém sabe. A uma costureira, como tirar as medidas, como cortar, cerzir, coser, chulear... ninguém sabe, meu filho, ninguém sabe. A um engenheiro, como fazer o cálculo estrutural de um prédio, de uma estrada, de uma ponte... ninguém sabe, meu filho, ninguém sabe.
- 3% endossaram que deus "é algum tipo de espírito ou forma de vida". Típica resposta de quem está mais perdido que cachorro que cai do caminhão de mudança, que cego em tiroteio. Só está faltando a padraiada voltar no tempo e invocar Aristóteles e sua equivocadíssima Abiogênese ou Geração Espontânea, segundo a qual a vida surgiria da matéria inanimada por ordem e decreto de uma força, de uma energia, de algo etéreo no ar, ou seja, algo que ninguém também sabia o que era ou como era, chamada princípio ativo ou força vital. Essa "força" adentraria a matéria bruta, reorganizaria os seus átomos e, dessa reestruturação, a vida surgiria feito mágica. Pensando bem, os padres nem precisariam voltar no tempo, uma vez que suas religiões pouco se deslocaram pela quarta variável einsteiniana, a mitologia cristã já é adepta e defensora da Abiogênese de Aristóteles. O que lhes parece um monte de barro tornado em homem por um sopro divino?
- 83% consideram que não existe um Deus Universal, mas um Deus pessoal, de acordo com as crenças e convicções mais íntimas de cada cristão. Ou seja, é homem criando deus, mais uma vez, é o homem-criador, não o homem-criatura. Fica parecendo aquele cumprimento entre os praticantes do hinduísmo, o deus em mim saúda o deus em você.
Um dos padres que duvida da existência de Deus, disse que não se sente constrangido diante dos fiéis : “Eu prego usando a terminologia de Deus, mas nunca sugiro que Deus
realmente existe”, afirmou ao jornal University Times, do Trinity
College de Dublin. E afirmou que, na sua paróquia, há “dezenas” de sacerdotes que agem como ele. Honesto ou hipócrita, esse padre?
Acredito que está mais para honesto, ou melhor, para profissional. As pessoas querem e procuram desesperadamente por deus. As religiões, nas figuras de seus sacerdotes, vendem o produto deus que elas tanto querem e pelo qual tanto suplicam. Agora, ser vendedor de um produto não significa, necessariamente, acreditar nas qualidades e virtudes que estão em seu rótulo ou no manual de instruções. Não significa nem, e inclusive, que o vendedor use o produto em sua vida pessoal.
Acho que eu iria gostar muito de prosear com esse padre, de jogar uma conversa fora com ele, num pub, tomando uma boa ale ou uma stout inglesas. Pensando melhor, tomando as duas.
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