Assim Eu Acabo Virando Sommelier

Tenho cá para mim que quando o cara começa a se dizer muito sofisticado, a ser dar ares de especialista e pompas de expert, a recitar terminologias e técnicos glossários, é porque ele já dá a bunda há muito tempo. Não tem como, sofisticação relaxa as pregas do sujeito.
E de todos esses cabotinos com tesão na argola, o meu preferido, o sommelier, o especialista em vinhos.
É o cara que abre o vinho, cheira a rolha, posiciona garrafa e taça em correta inclinação, derrama quantidade medida e padronizada, gira o vinho pelas paredes da taça, observa com peritos olhos a formação e o escoamento das "lágrimas", enfia a canapia quase até o fundo da taça, aspira o bouquet com espectrofotométrico olfato, sorve um pequeno trago, bochecha, aprova o vinho e volta a encher a taça.
Claro que aprova o vinho. Quem já viu alguém abrir um vinhão e jogá-lo fora? Claro que ele aprova. Toda essa viadagem travestida de ciência é só uma maneira do cara justificar, digo até glamourizar, o vício pela birita
E o sommelier não é capaz de simplesmente aferir as qualidades do vinho e guardar o laudo técnico para si. Porra nenhuma. Ele tem que falar. Tem que relatar aos ao seu redor os resultados de sua pedante análise. E o cara começa : esse vinho recende a tâmaras, damascos, ameixas vermelhas...
O filho da puta sente o cheiro de todas as frutas do mundo no vinho. Menos o da uva. Viadagem, pura viadagem.
Mas acontece que o peixe - e o homem - morre pela boca. Acontece que um dia é o da caça e outro o do caçador. Acontece que araruta também tem seu dia de minguau. Acontece que eu posso acabar pagando a minha ferina língua.
Hoje, de repente, sem mais nem porquê, assaltou-me uma vontade incomensurável de me tornar um sommelier, um degustador.
Esse, eu abriria com todo cuidado, com toda pompa e circunstância, cheiraria-o, sentiria-lhe o bouquet, a viscosidade de suas "lágrimas", bochecharia com um pequeno trago, aprovaria-o e meteria-lhe a "rolha"
Não provei desse vinho, mas adivinho-lhe com notas pungentes e ao mesmo tempo suaves de um moderado agridoce, um azedinho nectarizado, também timidamente salobras, abacalhoadas.
Só não me impinjam taças de formatos e volumes adequados a cada tipo de vinho etc. Que esse vinho, eu bebo a la Bukowski : no gargalo. Na beiçada.

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4 Comentários

  1. Isso me fez lembrar de uma vez que fui à casa de um cunhado. Conversa vai, conversa vem, saiu o assunto “cachaça”. E ele comentou que tinha quase uma coleção daquelas de primeiríssima linha e, dentre elas, quatro garrafas de “Havana”. Perguntei se era boa mesmo e ele disse maravilhas da pinga. Ai resolveu me presentear com um traguinho. Trouxe um cálice quase do tamanho de um dedal e me deu com o convite – “Prova!”. Eu peguei o “dedal” e cheirei. E ele lá, me olhando. Aí eu falei: -“não repara, mas tem cheiro de cachaça”. “Toma logo, pô, vê como desce suave!”. Aí, dei uma bicada, não notei nada de especial (desceu rasgando) e falei: – “não leve a mal, mas tem gosto de cachaça!”. Aí ele tomou o cálice da minha mão e falou que eu não entendia nada, pois não era bebedor de cachaça. O que era verdade. Mas, também, não tinha a "rolha" que seu vinho tem!

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    1. Pois é, o segredo é a "rolha". Eu sou bebedor de cerveja confesso e inequívoco, mas compro sempre da que está em promoção no mercado, tomo e pronto.
      E pior que sommelier de vinho é o degustador de cachaça. Cachaça é coisa de matuto, de homem rude, calejado. Para o vinho ainda se tem a desculpa de ser coisa de "francês", mas para a cachaça... Alguém já viu um cara que pega na enxada de sol a sol ter tempo de ser viado?

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  2. Ahhh mestre... Analisemos os períodos...
    "Tenho cá para mim que quando o cara começa a se dizer muito sofisticado" [...] "a recitar técnicos glossários [...]" "[...] ele já dá a bunda há muito tempo [...]"

    MAS...

    "[...] enfia a canapia [...]" "[...] aspira o bouquet com espectrofotométrico olfato [...]"

    Isso nos leva a crer, que nós - leitores do Marreta - estamos presenciando um prefácio dessa vontade proctológica sua meu caro?

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    1. Não tem nada de prefácio, de introdução nem de proctológica ou patológica vontade de queimar a rosca.
      Assim como o mutante Wolverine possui uma exclusiva liga de adamantium a lhe recobrir os ossos, eu também sou portador de uma mutação que impregna minhas invioláveis pregas com uma combinação única e irreproduzível de amianto (também conhecido como asbesto, do grego ἀσβεστος, que significa "indestrutível", "imortal", "inextinguível"), ou seja, minha rosca é totalmente à prova de fogo e chamuscadas.
      E agora, vai estudar, Waldir!!!!!!
      Que o vestibular está aí, a fungar no seu cangote, a soltar seu bafo quente na sua nuca.

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