Carta de Bukowski Aos Seus Detratores

Em 1985, após a reclamação de um leitor, a Biblioteca Pública de Nijimegen retirou de suas prateleiras o livro de contos de Bukowski intitulado Fabulário Geral do Delírio Cotidiano (em inglês, Tales of Ordinary Madness), sob a declaração de a obra ser “sádica, frequentemente fascista e discriminatória contra certos grupos (incluindo homossexuais).”.
Perguntado pelo jornalista Hans van der Broek sobre a censura de sua obra, o velho Buk lhe remeteu uma carta a respeito. A carta, ao contrário do esperado, não é um soco de um boxeador peso-pesado, não é aquele direto de direita que arranca do adversário sangue, dentes e a consciência; a carta é um tapa com luva de pelica, um primor de sobriedade, sobriedade que só os verdadeiros bêbados possuem, uma aula de esgrima verbal, com um sublime e indefensável touché no coração dos idiotas hipócritas, dos politicamente corretos.
Faço minhas palavra por palavra, vírgula por vírgula de Bukowski e as lanço feito lança a todos idiotas politicamente corretos metidos a censores. O polticamente correto é aquele sujeito totalmente desprovido de criatividade ou de qualquer outro talento, incapaz de escrever uma linha sequer de pensamento próprio, é aquele cara que, na época da escola, fazia parágrafo de três dedos e aumentava o tamanho da letra para conseguir preencher as 20 linhas mínimas da redação, é aquele cara que nunca conseguia acompanhar o ditado da professora, é o cara que carregava o material da "tia", que levava maçã para ela, que se oferecia para apagar o quadro-negro, é o cara que dedurava o coleguinha que estava a conversar ou a colar na prova.
O politicamente correto não só não sabe escrever - e por isso odeia os que, bem ou mal, o fazem -, ele também não sabe ler. E nem digo dele saber ler um jornal ou uma revista que não sejam sobre futebol ou fofocas da tv, digo dele não saber ler o mundo ao seu redor. Um analfabeto olha para um texto e nada entende, precisa de alguém que leia para ele, e vai acreditar no que lhe disserem; mais que isso, vai comprar e passar a defender, daí em diante, igualmente às palavras que lhes foram lidas, a interpretação dada ao texto por quem o leu. 
O politicamente correto olha para o mundo, para a realidade a lhe feder nas fuças e nada entende dele e, portanto, não o percebe, precisa de alguém que leia o mundo para ele, que lhe diga como as coisas funcionam e devem ser, e vai acreditar no que lhe disserem, vai comprar e passar a defender, daí em diante, igualmente às palavras que lhes foram ditas, a interpretação de mundo de quem o leu para ele.
E muitos são os que "leem" o mundo para o politicamente correto : a Bíblia e todas as religiões, os livros de História, Sociologia, Educação Moral e Cívica etc do ensino fundamental, a grande mídia de massa, os conglomerados televisivos e seus telejornais tendenciosos, suas telenovelas, seus sabadões e domingões.
Tudo o que o politicamente correto "sabe" já lhe chegou pronto, adquirido em embalagem colorida e brilhante na prateleira de um supermercado : "saber" solúvel, desidratado e de fácil digestão, ao qual basta acrescer água e aquecer.
Por isso, quando algo diferente do que "sabe" cai à sua frente, o politicamente correto fica puto, possesso. Não porque concorde ou não com o diferente, na verdade, ele nem chegou a pensar sobre, e nem chegará a, faltam-lhe algumas dezenas de pontos em seu Q.I. para tal, ele só sabe que é diferente e, então, esse reprovado na cartilha Caminho Suave do mundo reage à estranheza com a única arma que tem : a censura, o mandar calar a boca.
O politicamente correto não quer um debate de ideias, ele não está nem aí para as ideias dos outros, só não quer que elas apareçam à sua frente, ele só não quer se sentir incomodado em suas certezas, só não quer ter que processar novas informações, ele só quer continuar a ver o mundo de uma única maneira, quando múltiplas existem. Chamem o politicamente correto ao pensamento e ele os processará, os mandará para a fogueira.
Os politicamente corretos, como diz Buk em sua carta, "são pessoas pequenas, amargas, os caçadores de bruxas e os que pregam contra a realidade”
São caçadores de bruxas motivados pela inveja de não serem bruxas, por não serem possuidores de seus encantos, sortilégios e poções, por não saberem o que é voar em uma vassoura, madrugada afora, com a Lua cheia ao fundo.
Abaixo, a carta do velho Buk :

“22-07-85

Caro Hans van der Broek: 
Obrigado pela sua carta me contando que um de meus livros foi tirado da livraria de Nijimegen. E que ele é acusado de discriminação contra negros, homossexuais e mulheres. E que ele é sádico por causa do sadismo. 

As coisas cuja discriminação eu temo são humor e verdade. 

Se eu escrevo coisas ruins sobre negros, homossexuais e mulheres é porque aqueles que conheci eram assim. Há muitos ‘maus’ – maus cachorros, má censura; há até ‘maus’ homens brancos. Apenas quando você escreve sobre “maus” homens brancos eles não reclamam a respeito. E eu preciso dizer que há ‘bons’ negros, ‘bons’ homossexuais e ‘boas’ mulheres? 

Em meu trabalho, como escritor, eu apenas fotografo, em palavras, o que vejo. Se eu escrevo sobre ‘sadismo’ é porque ele existe, eu não o inventei, e se algo hediondo ocorre em meu trabalho é porque tais coisas acontecem em nossas vidas. Não estou do lado do mal, uma vez que algo como o mal existe em abundância. Em minha escrita eu nem sempre concordo com o que acontece, muito menos me arrasto na lama puramente por sua causa. Também, é curioso que as pessoas que fazem críticas a meu trabalho parecem ignorar seus trechos que falam de alegria e amor e esperança, e tais trechos existem. Meus dias, meus anos, minha vida tem visto altos e baixos, luz e escuridão. Se eu escrevesse só e continuamente sobre a ‘luz’ e nunca mencionasse os outros, então como artista eu seria um mentiroso.

A censura é a ferramenta daqueles que precisam esconder realidades de si próprios e dos outros. Seu medo é apenas sua incapacidade de encarar o que é real, e eu não posso descarregar ódio nenhum sobre eles. Eu apenas sinto essa tristeza aterradora. Em algum lugar, em sua criação, eles foram protegidos contra os fatos totais de nossa existência. Eles foram ensinados a olhar de apenas uma maneira, quando muitas maneiras existem.

Eu não fico alarmado que um de meus livros tenha sido caçado e desalojado das prateleiras de uma biblioteca local. De certa forma, estou honrado por ter escrito algo que tenha acordado essas pessoas de suas profundezas inertes. Mas me machuca, sim, quando o livro de alguma outra pessoa é censurado, pois aquele livro geralmente é um grande livro e há poucos como aquele, e através dos tempos aquele tipo de livro frequentemente se tornou um clássico, e o que uma vez foi chamado de chocante e imoral é agora uma leitura obrigatória em muitas de nossas universidades. 

Não estou dizendo que meu livro seja um desses, mas estou dizendo que, em nosso tempo, nesta época, quando qualquer momento pode ser o último para muitos de nós, é irritante e absurdamente triste que ainda tenhamos entre nós as pessoas pequenas, amargas, os caçadores de bruxas e os que pregam contra a realidade. Ainda assim, eles também estão conosco, eles são parte do todo, e se eu não escrevi sobre eles, eu deveria, talvez o tenha feito aqui, e isso basta. 

Que todos nós fiquemos melhores juntos,

seu,

(Assinatura)

Charles Bukowski”

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