Era Uma Casa Japonesa, Com Certeza

Um dos atos mais prazerosos ao ser humano, o de comprar, a mim não proporciona excitação de nenhuma espécie, nem ao menos uma semiereção, uma triste meia bomba. Não gosto de comprar. Não tenho paciência para. Comprar pela internet, então, sequer chega a me percorrer as ideias.
Minha esposa, nesse aspecto, é mais normal. Gosta de fazer suas comprinhas e circula fácil e tranquilamente pelos shoppings virtuais, inclusive pelos tais grupos de compras coletivas, os grupons.
Comprou, dia desses, via grupon, um desses combinados de comida japonesa, um kit tanaka, cuja retirada foi agendada pelo restaurante para tal dia e tal hora, ontem, 21h. Os grupons oferecem preços bem mais módicos que os das compras individuais, mas se você esquecer de retirar o produto na data marcada, perde o direito a ele, e à devolução do dinheiro. E foi o que (quase) aconteceu.
O dia de ontem foi dos mais atribulados, desgraçadamente atribulado, eu diria - não gosto de inquietações, de agitos, sou fã da pasmaceira - e já eram quase 23 horas quando veio a lembrança do groupon da comida japonesa. Ela, sem muita esperança, ligou ao restaurante e perguntou da possibilidade de ainda resgatar o produto. Sim, ainda era possível, responderam-lhe, desde que não muito tardasse.
Comida japonesa, sei lá... eu até como, japonesa eu como de qualquer jeito, mas não figura entre minhas preferidas. Ela tem uma bela variedade de cores - é bonita de se ver, um prato bem montado parece a paleta de uma aquarela -, mas não lhe corresponde uma igual gama de paladares - tem lá o arroz, a alguinha, o salmão e, no fim, tudo fica com um gosto só, o do shoyo -, muito menos um largo espectro de odores - tudo fica com o inexpurgável cheiro de peixe, cheiro do qual tornarei a tratar mais tarde, em breve.
Desde que não muito tardasse, dissera o rapaz.
O filho, já a dormir, a esposa, temporariamente impedida de dirigir, e eu, que nem habilitação (e habilidade) possuo. Restara única alternativa : pôr-me à rua em uma de minhas notórias (e abandonadas) caminhadas noturnas. Por sorte, de minha casa, o restaurante pouco distava, uns reles três quilômetros, três quilômetros e pouquinho. Vesti minha roupa surrada, calcei minhas sandálias de Mercúrio e me lancei ao asfalto.
Não sem antes passar no posto de gasolina da esquina para me abastecer, uma lata de cerveja, que é o combustível do reator de lítio fotônico de minha U.S.S. Enterprise. Pus-me em velocidade de dobra espacial e logo me materializava em frente ao restaurante.
Uma fachada de um discreto bom gosto, interior penumbricamente iluminado por aquelas lanternas japonesas de papel de arroz, lâmpadas amarelas dentro, uma cozinha de aparência limpa que se deixava divisar pelo vidro que lhe fazia as vezes de uma quarta parede, duas ou três mesas ocupadas por pessoas conversando em voz baixa e um gerente alinhadamente vestido  e bem educado, que me atendeu e, em poucos minutos, entregou meu pedido.
Mas nada disso - um ambiente de bom gosto e cordial - conseguia, naquela hora, minimizar a porrada que levei à entrada. Um soco nas fuças. Um direto de direita de Mike Tyson, desferido pelo tal cheiro de peixe acima referido.
Já entrei em outros dois ou três restaurantes japoneses, de ambientes bem menos sofisticados, inclusive, mas em nenhum deles, em absolutamente nenhum, o cheiro de peixe era tão intenso, quase nauseante. Não era um cheiro de nada estragado, era de invasor, de posseiro, de cheiro que não deixava espaço para nenhum outro, para nenhuma moleculazinha de oxigênio que fosse.
Não era um restaurante japonês, não podia ser, concluí. Era uma casa de gueixas mal-lavadas. Era uma buceteria.

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4 Comentários

  1. Antônio Carlos,
    quando fui publicar seu comentário, algo aconteceu de errado e ele acabou por ser apagado, desculpe.
    Mas no caso que você relatou, da sua vizinha gostosa fazer comida japonesa para você, é claro que a culinária nipônica ganha outros sabores. Sortudo.
    Só não entendi uma coisa : afinal, você come ou não come sua vizinha?
    abraço.

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  2. Não como, Marreta. Para minha infelicidade.

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