Quem gosta de escrever, quem vive a catar ideias para dar-lhes forma - seja de poema, crônica, letra de música ou conto -, geralmente tem um rol de coisas que gostaria de ter escrito.
Escritos paridos ao papel por outros escritores antes dele, e não só por razões cronológicas, como muitos preferem acreditar ("só não escrevi isso antes porque fulano nasceu primeiro"), mas sobretudo por questão de talento maior de quem primeiro os escreveu.
Se fosse me imposta a tarefa impossível de eleger um único escrito para constar de minhas gavetas empoeiradas, eu seria obrigado a ficar com Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos, aquele do "apedreja essa mão vil que te afaga e escarra nessa boca que te beija". Esse soneto do poeta da putrefação sintetiza a natureza humana com insuperável precisão. Simples catorze versos que destilam, resumem e concentram a torpe índole do bicho homem.
Não fosse, porém, imposto limite algum, eu elaboraria uma lista com centenas, talvez com milhares de coisas alheias que eu gostaria de ter escrito, coisas que eu, sem nenhum pudor em confessar, gostaria de roubar para mim.
Grande parte dessa lista seria formada por letras de canções, quase todas as do Chico, do Cartola, do Oswaldo Montenegro, do Adoniran, do Lupicínio, do Paulinho da Viola, do Vinícius de Moraes... O número de compositores seria quase tão extenso quanto o de canções.
Hoje, acordei com uma música grudada à cabeça, música que há muito não ouvia e com a lembrança da qual meu cérebro generosamente me presenteou nessa primeira manhã de fim de férias; acompanhou-me e me consolou por boa parte da manhã.
A canção é a belissima Viajante, da compositora Thereza Tinoco, que, com o auxílio luxuoso da interpretação de Ney Matogrosso, sagrou-se numa das mais inspiradas peças da MPB. E em uma das coisas que eu gostaria muito de ter escrito.
Viajante
(Thereza Tinoco)
Eu me sinto tolo como um viajante
Pela tua casa,
Pela tua casa,
Pássaro sem asa, rei da covardia
E se guardo tanto essas emoções nessa caldeira fria
É que arde o medo onde o amor ardia
Mansidão no peito trazendo o respeito
Que eu queria tanto derrubar de vez
Pra ser teu talvez, pra ser teu talvez.
E se guardo tanto essas emoções nessa caldeira fria
É que arde o medo onde o amor ardia
Mansidão no peito trazendo o respeito
Que eu queria tanto derrubar de vez
Pra ser teu talvez, pra ser teu talvez.
Mas o viajante é talvez covarde
Ou talvez seja tarde pra gritar que arde
No maior ardor
A paixão contida, retraída e nua
Correndo na sala ao te ver deitada
Ao te ver calada, ao te ver cansada, ao te ver no ar.
A paixão contida, retraída e nua
Correndo na sala ao te ver deitada
Ao te ver calada, ao te ver cansada, ao te ver no ar.
Talvez esperando desse viajante
Algo que ele espera também receber
E quebrar as cercas que insistimos tanto em nos defender.
Algo que ele espera também receber
E quebrar as cercas que insistimos tanto em nos defender.
Eu me sinto tolo como um viajante
Pela tua casa, pássaro sem asa, rei da covardia
E se guardo tanto essas emoções nessa caldeira fria
É que arde o medo onde o amor ardia
Mansidão no peito trazendo o respeito
Que eu queria tanto derrubar de vez
Pra ser teu talvez, pra ser teu talvez
Para ouvir Viajante é só clicar aqui, no meu poderoso MARRETÃO.
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