Não É Carnaval, Mas É Madrugada (11)

Adoniran Barbosa, já disse isto aqui algumas vezes, era visto - e é lembrado pela maioria até hoje - como aquele sujeito engraçado, gaiato, de fala errada, sempre retratado de paletó, gravatinha borboleta e chapéu panamá, sempre de bem com a vida.
Nada disso. Adoniran era triste, porém não era piegas, não nutria nenhum grau de autocomiseração, não que demonstrasse em seus versos, pelo menos. Não culpava a ninguém por seus infortúnios, sabia que uma desgraça aqui, outra ali, fazia parte do jogo. Adoniran não era de bem com a vida, apenas sabia que ficar de mal com ela de nada adiantava. Que a vida está pouco se lixando para os nosso amuos, que a vida não cede às birras de bebês mimados e chorões.
Adoniran era o Pagliacci da postagem anterior, que postei sem nem pensar em Adoniran, Adoniran era um palhaço triste, figura que, recorrentemente, tem se posto à minha frente nas últimas semanas.
Talvez por me saber, eu próprio, um palhaço triste. Apresento-me a meu público apedeuta, faço rir a alguns, dormir a outros, desperto interesse em uma minoria, provoco a raiva de muitos. E entre uma apresentação e outra, a cada cerrar e descerrar de cortinas, em meu íntimo camarim, também choro, uma lágrima seca e hipócrita.
Elis Regina, também outra palhaça triste, já havia identificado, e se identificado com, a tristeza cômica de Adoniran. Em um documentário antigo, em preto-e-branco, da TV Cultura, ela inverte seu papel de entrevistada e pergunta indignada ao seu invisível interlocutor : como alguém pode achar graça em Saudosa Maloca? E é de Elis, na minha opinião, a melhor gravação que há de a Saudosa Maloca.
Elifas Andreato foi outro que percebeu logo de cara a natureza rir-para-não-chorar de Adoniran. Consagrado artista plástico e requisitado capista de LPs, com trabalhos feitos para Toquinho e Vinicius, Chico Buarque, Paulinho da Viola, entre outros - quem não se lembra da capa do LP Nervos de Aço, de Paulinho; ou do Vida, de Chico? -, Elifas havia preparado uma belíssima capa para o terceiro LP de Adoniran Barbosa, em que o retratava como um palhaço lacrimejante.
Elifas apresentou sua arte ao então presidente da gravadora Odeon, Roberto Augusto, que ponderou : "‘Está lindo, mas você acha que ele vai entender esse negócio de palhaço?’. Em uma segunda análise, Elifas pensou que realmente Adoniran pudesse se ofender com a imagem. E preparou um outro desenho, de um Adoniran sóbrio, com a clássica imagem do chapéu e gravata borboleta. Mandou emoldurar o desenho antigo e o entregou de presente ao produtor Fernando Faro, que pendurou o quadro em seu escritório. Depois de alguns meses, uma ligação do produtor chegava ao estúdio do ilustrador: ‘Elifas, tem alguém querendo falar com você aqui’. Era Adoniran, que, de frente para a arte rejeitada, pegou o aparelho e sentenciou: ‘Elifas, eu sou esse palhaço triste aqui, e não o alemão que você pôs na capa do disco’. Do outro lado da linha, o desenhista corou. ‘Nunca senti tanta vergonha. Artista não dá pra subestimar. Subestimar artista é uma merda’."
Adoniran foi mais um dos poucos caras que entendeu a piada que é tudo isso, que é a porra do mundo. Não achava muita graça nela, é verdade. Mas se sabia e se aceitava como parte e personagem da anedota e, principalmente, gostava de tirar sarro, de fazer piada com aqueles que não se sabiam parte da piada.
Adoniran foi o Pagliacci de Jaçanã, o Pierrot do Bexiga.
Como bom Pierrot, é de Adoniran uma das mais belas canções de carnaval a integrar nosso rico cancioneiro. A letra é um primor, nada fica a dever para Chico Buarque, Tom Jobim, ou Vinícius de Moraes. Nem ao Carnaval, de Manuel Bandeira.
Vila Esperança é de arrepiar, de chorar, de sair de casa, de madrugada, para ir buscar mais cerveja na loja de conveniência mais próxima.
Vila Esperança
(Adoniran Barbosa)
Vila Esperança, foi lá que eu passei
O meu primeiro carnaval
Vila Esperança, foi lá que eu conheci
Maria Rosa, meu primeiro amor

Como fui feliz, naquele fevereiro
Pois tudo para mim era primeiro
Primeira rosa, primeira esperança
Primeiro carnaval, primeiro amor, criança

Numa volta no salão ela me olhou
Eu envolvi seu corpo em serpentina
E tive a alegria que tem todo Pierrô
Ao ver que descobriu sua Colombina

O carnaval passou, levou a minha rosa
Levou minha esperança, levou o amor criança
Levou minha Maria, levou minha alegria
Levou a fantasia, só deixou uma lembrança.
  
Para ouvir Vila Esperança, com a participação do Quarteto Fantástico MPB-4, é só clicar aqui, no meu poderoso MARRETÃO.

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