De Duas Coisas, Uma Vez Por Ano, Ninguém Escapa : Natal e Exame De Próstata

Não dou importância nem ao meu próprio aniversário, por que cargas d'água, então, eu iria festejar o do Cristo?

Eu sou muito mais de desaniversários do que de parabéns a você, feito o Chapeleiro Louco, de Lewis Carrol, sou muito mais do corriqueiro que do pontual e do momentâneo, sou muito mais os dias que acordam sonolentos, presos às horas e às obrigações do que os festivos, os histericamente festivos, porque nas datas ditas especiais o sujeito tem que demonstrar toda a sua alegria e felicidade aos outros, a todo o custo, inclusive e principalmente o do ridículo.
As datas comemorativas são mais uma enganação do ser humano para consigo mesmo, um autologro, mais um ardil contra si próprio para tentar se convencer de que, nem que seja por poucas vezes, sua vida e sua existência fazem algum sentido. 
Mais que isso, que são especiais, que não só se justificam plenamente como também são de suma importância para o mundo. Não são. As datas especiais levam o cara a pensar que ele faz algum relevo no planeta, que, nesses dias, a órbita da velha Terra um pouco se inclina e pende em sua direção. Não pende.
Eu não tenho data pra comemorar, como bem já disseram Arnaldo Brandão e Cazuza na canção O Tempo Não Pára (à época com acento); da parte de Brandão, não sei, mas da de Cazuza era puro fingimento, a bicha adorava um acontecimento, um holofote.
Inevitavelmente, porém, passo por essas datas; melhor, sou trespassado por elas, mas não as celebro. Sou um fumante passivo de suas cacofonias e de seus fogos de artifício.
Eu não dou, nunca dei, nem quando criança, a mínima importância para o meu aniversário. Lembrar dos aniversários dos outros - pais, irmãos, primos, amigos -, só mesmo por acidente, por alguma dessas armadilnhas da memória.
Não comemoro nem o meu próprio aniversário, por que eu iria, então, comemorar o do Cristo? A porra do Natal? Mas não tem jeito. Todos vão ao aniversário do Cristo, até eu. Mesmo que eu não fosse, mesmo que ficasse trancado em casa, ainda assim eu iria. O tal do Natal é intransigente, onipresente, o filho da puta.
Vou! Mas não visto chapeuzinho, não bato palmas, não canto com quem será que o Cristo vai casar, não como bolo nem brigadeiro e, nem pensar, não saio nas fotos.
Natal é igual àquele parente mala do qual você foge o tempo todo, mas que tem de cumprimentar de vez em quando, para quem você tem de abrir a porta quando, sem avisar, aperta sua campainha ou seu interfone e lhe faz uma surpresa, todo idiota gosta de fazer surpresas.
Melhor (ou pior), Natal é feito exame de próstata. Evitamos, evitamos...mas um dia o dedão velho nos entra. De duas coisas, uma vez por ano, ninguém consegue escapar : Natal e exame de próstata.
Eu prefiro o exame de próstata. É bem mais rápido, e não temos que fingir alegria, nem fazer cara de que estamos a gostar.

Em tempo (e para não perder o trocadilho, porque eu nunca consigo resistir ao trocadilho) : Neste Natal, o Marreta do Azarão vos deseja um peru bem grande. Grosso e cabeçudo.

Postar um comentário

2 Comentários