O Brasileiro É Cordial

Sérgio Buarque de Hollanda, o pai do Chico, em seu livro "Raízes do Brasil", no capítulo "O Homem Cordial", dá destaque a uma característica presente no modo de ser do brasileiro, a cordialidade.
O próprio historiador se arrependeu de ter lançado essa "tese", não pela lapidar frase em si, mas pela errônea interpretação, segundo ele, dada ao seu dito.
Cordial, ao contrário do que muitos pensam e do uso corrente dado à palavra, não é um homem gentil. Cordis, vem da palavra latina cor, que significa coração, logo o homem cordial é aquele que agiria impulsionado pela emoção em lugar da razão.
Sei lá. Primeiro que o coração é um músculo, não têm nenhuma ingerência sobre qualquer decisão humana, seja ela considerada racional ou impetuosa; 
Segundo que, ainda que tivesse, ao coração humano são atribuídas características das mais nobres, bondade, compaixão, amor fraternal, solidariedade etc; agisse pelo coração, e possuísse o mesmo tais atributos, o brasileiro seria cordial na pura acepção da palavra e  também gentil, oficializando seu uso coloquial.
Se o brasileiro age pelo cor e o cor é bom, logo o brasileiro é um povo bom e gentil; de onde me parece que Sérgio Buarque de Hollanda não foi mal interpretado, ele se expressou mesmo mal. 
O brasileiro age sim via cérebro, predominantemente pela região chamada de Complexo R, nosso cérebro reptiliano, nosso centro da agressão/sobrevivência, a região mais velha e primitiva de nossa massa cinzenta.
Sérgio Buarque de Hollanda mal se expressou por, aparentemente, não dominar rudimentos biológicos (isso é comum aos das humanas, e os conduzem às mais disparatadas conclusões sobre o comportamento humano) e por ter sido, talvez, influenciado pelo mito do Bom Selvagem. 
Povos mais avançados tendem a confundir primitivismo com inocência, ingenuidade e bondade. Quanto mais primitivo é um povo, mais  "puro" ele parece aos olhos do civilizado; é como se ele ainda não tivesse sido maculado pela maldade humana, como se ele vivesse em harmonia com o cosmo, no idilismo do Éden.
Primitivo não é sinônimo de bom ou inocente, nem de burro. O ser humano não precisa ser inoculado pela maldade alheia, ele já nasce mau. São os mecanismos de restrição sociais - sobretudo as leis e a religião - que o fazem agir como se fosse bom.
Tirem essas amarras e o ser humano passa a agir, como diria Sérgio Buarque de Hollanda, pelo cor, torna-se verdadeiramente cordial. 
No Brasil, os nordestinos são os nossos bons selvagens : sempre alegres e festivos (quando, na verdade, são preguiçosos), sempre rindo seus risos banguelas para os turistas (não por simpatia genuína, mas para lhes arrancar uns trocados), além de suas praias, sua ignôrancia é um dos pontos turísticos do lugar, compõe o cenário exótico que o turista tanto gosta, é como passear num zoológico a céu aberto.
E é de lá, especificamente da carnavalesca Bahia, que vêm os mais recentes exemplos da verdadeira cordialidade do brasileiro.
A Polícia Militar da Bahia decretou greve no dia 31/01 e a população baiana, sempre acolhedora, está tirando a barriga da miséria. Alguns atos de cordialidade da terra do berimbau, da malemolência e do "meu rei":
Entre a meia-noite de sexta-feira e as 6h deste sábado, 29 pessoas foram vítimas de homicídios em Salvador;
Na quinta-feira, segundo dia após anúncio da greve, a SSP-BA somou 14 homicídios. Já no dia 1°, primeiro dia do movimento, foram confirmadas oficialmente sete mortes decorrentes de crimes;
Cinquenta e cinco é o número oficial de homícidios, até agora;
Assaltos em residências e saques à lojas propagam-se pelas cidades.
Esse é o Homem Cordial, esse é o Bom Selvagem.
Afinal, são vésperas de carnaval. A Bahia nos manda seu axé.

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1 Comentários

  1. Disse quase tudo! Gostei. Por sorte, estou bem longe de lá. Parabéns mais uma vez!!

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