José Manuel E As Sacolinhas de Plástico

José Manuel (vulgo Zé Mané) vai ao supermercado. 
José Manuel leva a tiracolo sua sacola reutilizável de lona, material reciclado de um encerado velho de caminhão; José Manuel tem uma semiereção só de pensar na agressão que o planeta deixou de sofrer por isso.
José Manuel se tem na conta de cidadão-modelo do século XXI, as metas do milênio são o seu decálogo; José Manuel é politicamente correto e com consciência ambiental, pensa muito na utilização sustentável dos recursos naturais e nas extinções do urso polar e do ornitorrinco da Tanzânia, mas nem cogita em trocar seu carro por uma bicicleta.
José Manuel é ecológico, participa de ONGs, colheu assinaturas contra as sacolinhas de plástico dos supermercados, encabeçou moções e petições pela proibição de sua distribuição e, acredita, venceu a guerra.
José Manuel desfila pelo supermercado como um conquistador em devastado território inimigo, ostenta sua sacola de lona reutilizável feito uma bandeira dos Cruzados Templários : o supermercado livre de sacolinhas é a sua Constantinopla expurgada da presença moura.
José Manuel começa sua compra pelo setor de hortifruti, um brócolis, duas ou três beterrabas, uma dúzia de bananas, uma verdura, meio quilo de batata, cada tipo de vegetal colocado dentro de um saco plástico para ser pesado; José Manuel passa pelo setor de frios e as solicitadas "trezentas" gramas de "mortandela" são entregues a ele dentro de outro saco plástico; José Manuel vira o próximo corredor à esquerda e acrescenta uma garrafa de suco de caju e outra de refrigerante sabor cola à sua sacola de lona reutilizável, garrafas PET; pega um detergente biodegradável com o selo de certificação do GreenPeace, acondicionado em embalagem plástica não-biodegradável; um fardo de 8 rolos de papel higiênico, embalados em plástico; duas pastas de dente, caixa de papel, tubo de plástico; pão de forma integral, mais um invólucro de plástico; quatro iogurtes probióticos, vendidos em uma bandeja de plástico; um pacote de arroz, um de feijão e outro de açúcar mascavo, mais plástico; um cereal matinal, caixa de papel, outro saco plástico internamente; já esperando na boca do caixa, resolve-se por um pacote de batatas fritas, embalagem daquele plástico aluminizado que nem uma guerra nuclear é capaz de degradar.
Ao fim de sua pequena compra, a sacola reutilizável de lona de José Manuel bem se encaixa ao famoso dito popular : por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento. A sacola reutilizável de José Manuel é de lona no corpo, mas de puro plástico na alma; é o ovo do cuco.
José Manuel nem se importa com isso, talvez nem se aperceba de sua hipocrisia : ter adotado uma sacola de lona reutilizável, exime-o de qualquer culpa de consumo posterior.
José Manuel ri satisfeito enquanto espera sua vez, e aproveita para lançar olhares de reprovação e desdém aos outros consumidores, àqueles que ainda não tem suas sacolas de lona reutilizáveis.
José Manuel é homem plugado e antenado ao seu tempo, não anda com dinheiro no bolso; ao ser informado do valor da compra pela moça do caixa, passa seu cartão plástico de crédito a ela, que faz o devido débito.
No caminho de volta, no carro, a sacola de lona reutilizável vai ao lado de José Manuel, no banco do passageiro, de tempos em tempos, José Manuel a olha com orgulho. 
José Manuel inspira fundo e sente sua respiração em ressonância com a do planeta, muito mais desobstruída depois do banimento das sacolinhas plásticas, como um asmático que se vê livre do agente causador de sua alergia. 
José Manuel parece mesmo ouvir uma voz lhe sendo grata, uma voz retumbante saída do âmago do planeta e a dizer : "Obrigado, José Manuel".
No entanto, não é a voz da Mãe Terra que chega aos ouvidos ilusos de José Manuel. São as vozes dos donos das grandes redes de supermercados, que tiveram suas estrondosas margens de lucro ampliadas um tantinho mais.
São as vozes em uníssono de todos os Carrefours, Wal-Marts e Pães de Açúcares do estado de São Paulo; e agradecendo não a José Manuel, a Deus. Agradecendo a Deus, todos os dias, pela existência dos milhares e milhares de Zés Manés.

P.S - Acordem, Zés Manés. Ou, pelo menos, parem de encher os nossos sacos, como eu já pedi uma vez aqui no blog, no idos de 2009, na postagem : Salvem o Planeta, Mas Não Encham o Meu Sacolão

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