Bienal : Vá, Mas Não Me Chame

Tenho um primo que gosta de arte contemporânea, que diz gostar, que acha mesmo que gosta, que acha mesmo que aquilo é arte.
Sinceramente, eu não sei que tipo de arte alguém pode reconhecer, por exemplo, numa obra que nada mais é do que uma lata de Sopa Campbell's pintada sobre uma tela (Andy Warhol). Ou em colocar a própria merda dentro de latas de conserva e vendê-las como uma "ideia" (Piero Manzoni); no rótulo das latas podia-se ler (já traduzido do italiano) : Merda do Artista, conteúdo líquido 30 g, conservar ao natural, produzido e enlatado em tal data. Ou , ainda, em vacas coloridas de fibra de vidro espalhadas pelas ruas da cidade (sei lá quem é o autor disso). Mas enfim..
Tive contato voluntário com a tal arte contemporânea por uma única vez. Há algum tempo, muito tempo, ainda que não o suficiente para esquecer o que vi, o que é bom por um lado, evita que eu caia em novas arapucas do mesmo tipo, fui visitar uma mostra de arte contemporânea num museu daqui da cidade, o MARP, que exibia, então, obras de jovens artistas locais.
Entrei, assinei o livro de visitas - com o meu nome mesmo, não com aqueles nomes de duplo sentido que as pessoas costumam pôr nesses livros, Jacinto Pinto Aquino Rego, Thomaz Turbando etc -, e subi a escadaria que dava acesso ao recinto da exposição.
Mal galgava ainda o último degrau e dei de cara com uma sala cujo piso estava forrado por um pó branco, farinha de trigo, pude constatar depois. As pessoas entravam e passeavam à vontade pela sala, deixando suas pegadas na farinha, e a "arte" consistia naquilo. Acho até que havia um pequeno cartaz na parede com o nome do autor e sua explicação sobre a obra. Não o li.
Aquilo já minou boa parte do bom humor e da boa vontade com os quais me muni ao resolver pela visita à exposição, mas eu não iria jogar a toalha assim, logo no primeiro round.
Ao sair da sala da farinha, um grupo de pessoas me chamou a atenção, elas estavam aglomeradas ao redor do que me pareceu uma grande caixa branca de madeira. Respirei fundo, enchi-me de espartanas coragem e pertinácia, e aproximei-me do grupo.
Era mesmo uma grande caixa fechada de madeira, um cubo branco com um pequeno orifício em sua face superior, e um fio saía desse orifício, um barbante desses comuns. Aquele barbante era mantido "em pé" por um vento vindo do interior da caixa, produzido por um ventilador oculto ou coisa que o valha. O barbante ficava lá ao sabor do vento, feito aqueles bonecos infláveis de postos de gasolina, e as pessoas a olharem compenetradas para aquilo, buscando entender o profundo significado da obra.
Bastou-me. Aquilo também já era demais. Fui a nocaute. Puta que o pariu !!!
Nem olhei o resto da exposição. Desci as escadas, passei novamente pelo livro de visitas, assinei Thomaz Turbando e fui embora, para nunca mais.
Em uma de suas músicas, o cantor e compositor Zeca Baleiro faz uma divertida e inspirada brincadeira com essa arte "modernosa" e seus admiradores "cabeças". A canção Bienal, gravada em dueto com Zé Ramalho, é uma sátira bem-humorada à arte contemporânea; aliás, uma sátira com muito mais arte que a própria arte que ela satiriza. Abaixo, a letra

Bienal
(Zeca Baleiro/Zé Ramalho)
Desmaterializando a obra de arte do fim do milênio
Faço um quadro com moléculas de hidrogênio
Fios de pentelho de um velho armênio
Cuspe de mosca, pão dormido, asa de barata torta

Meu conceito parece, à primeira vista,
Um barrococó figurativo neo-expressionista
Com pitadas de arte nouveau pós-surrealista
calcado da revalorização da natureza morta

Minha mãe certa vez disse-me um dia,
Vendo minha obra exposta na galeria,
"Meu filho, isso é mais estranho que o cu da jia
E muito mais feio que um hipopótamo insone"

Pra entender um trabalho tão moderno
É preciso ler o segundo caderno,
Calcular o produto bruto interno,
Multiplicar pelo valor das contas de água, luz e telefone,
Rodopiando na fúria do ciclone,
Reinvento o céu e o inferno

Minha mãe não entendeu o subtexto
Da arte desmaterializada no presente contexto
Reciclando o lixo lá do cesto
Chego a um resultado estético bacana

Com a graça de Deus e Basquiat
Nova York, me espere que eu vou já
Picharei com dendê de vatapá
Uma psicodélica baiana

Misturarei anáguas de viúva
Com tampinhas de pepsi e fanta uva
Um penico com água da última chuva,
Ampolas de injeção de penicilina

Desmaterializando a matéria
Com a arte pulsando na artéria
Boto fogo no gelo da Sibéria
Faço até cair neve em Teresina
Com o clarão do raio da silibrina
Desintegro o poder da bactéria

Com o clarão do raio da silibrina 
Desintegro o poder da bactéria

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