A Vaia A Tom Jobim E Chico Buarque

O canal por assinatura A&E está a exibir uma série de programas com Chico Buarque de Holanda, cada episódio enfoca uma fase da vida do compositor.
Não sei quantos programas são, ou os dias e horários de suas exibições, não sei nem o número do canal. Não decoro ou lembro de nada disso, vou pulando pelos canais e paro quando algo me apetece. O ruim é que raramente vejo algo na íntegra, o bom é que não me frustro se algum contratempo impede que eu assista a uma programação que muito quisesse.
Assisti a uns quarenta minutos do programa - de um total de noventa -, mas foram suficientes para eu ver uma das cenas mais deprimentes do mundo do entretenimento : a famosa e longa vaia à bela "Sabiá", composição de, simplesmente, Tom Jobim e Chico Buarque, vencedora do III Festival Internacional da Canção, 1968.
Tom e Chico vaiados. Puta que o pariu !!! Pior : vaiados em favor a Geraldo Vandré e sua tosca, pobre e panfletária "Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores", a preferida do público. Foram vinte mil pessoas vaiando dois dos grandes e últimos gênios de nossa música por dez ininterruptos minutos.
Essa vaia é um fato no mínimo curioso. Suscita algumas dúvidas quanto à elite intelectual da época e ao suposto estrago que o governo militar, extremamente atuante então, teria lhe causado. 
Quando digo que foi a elite intelectual que vaiou Tom e Chico, estou sendo exato e preciso em minha afirmação. Não era o povão a lotar o Maracanãzinho, palco do festival; não era o povão que via as transmissões nas antigas TVs em preto-e-branco e torcia por esse ou por aquele compositor - ainda bem que não, por isso, os festivais tiveram boa qualidade.
Os aparelhos de TV eram caríssimos naqueles dias, só uma fatia mais abastada da população os podia adquirir; o povão ouvia rádio, as AMs, e lá a coisa não diferia muito do que vemos hoje. Elite financeira e elite intelectual eram grupos coincidentes na década de 1960. Com esparsas exceções, formavam basicamente um único estrato social. Uma coisa levava à outra. Se o sujeito tinha dinheiro, investia pesado em sua própria educação e na dos filhos. Ou embora pobre, se esforçado e capaz, conseguia se instruir em uma boa escola pública e colocar-se profissionalmente com bons ganhos.
(Diferente de hoje. A elite financeira atual gasta em carrões feitos à semelhança de blindados de guerra, escuta sertanejo universitário e se diverte tomando cerveja de madrugada em lojas de conveniência de postos de gasolina)
Logo, se era o rico e instruído, ou o instruído e rico, que compunham o público dos festivais (e eram), como justificar a fragorosa vaia a Tom e Chico? Onde se escondeu, naquele momento, toda a pretensa cultura dos que vaiavam e protestavam contra um governo militar que, diziam, estava dilapidando sua educação?
Os cultos da época tomaram a canção de Vandré como um protesto ao regime vigente, e até era, aquela merda toda de quem-sabe-faz-a-hora, de-soldados-armados-amados-ou-não, de caminhando-e-cantando-e-seguindo-a-canção, etc etc. E mal interpretaram a belíssima "Sabiá" como sendo uma mera canção de amor, até uma espécie de alienação de seus compositores ao atual momento.
De novo, onde estavam a cultura e o senso crítico da elite que os militares "destruíram"? A canção "Sabiá" versa claramente sobre os exilados do governo militar. Igualmente a Vandré, abordava a conjectura política da época, mas com muito mais beleza, inteligência e lirismo; como não podia deixar de ser, rebento que era de Tom e Chico. 
"Sabiá" faz patente alusão à "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias. Será que a elite que se dizia oprimida em sua sensibilidade pelos militares não tinha cultura o bastante para se aperceber disso?
Sempre achei muito mal contada essa história de que os militares demoliram a educação e a intelectualidade brasileiras em rápidas duas décadas. Se tivesse existido de verdade toda essa inteligência e ilustração antes de 1964, vinte anos de repressão mal tornariam baço o seu verniz. Antes pelo contrário, a verdadeira genialidade mais reluz e aflora sob pressão. Que foi o ocorrido em raros casos : Tom e Chico são excelentes exemplos disso. E foram vaiados.
Uruguai, Argentina e Chile passaram por ditaduras militares piores que a nossa (que nem ditadura foi, e sim um governo militar com vários presidentes eleitos por voto indireto; pode até não parecer, mas é bem diferente). Hoje, Uruguai, Argentina e Chile são os melhores colocados  sul-americanos no ranking de Educação da Unesco; o Brasil, pra encurtar a história, na América do Sul, só "ganha" do Suriname. Por que o governo militar destruiu nossa educação e não destruiu a deles?
Em 1980, apenas uma década e meia pós-golpe, eu com 13 anos, tive aulas com professores que já nos consideravam uma geração perdida por conta da intervenção militar. Meros 15 anos de censura e toda uma cultura e intelectualidade se perde? 
Só se houvesse muito pouco a se perder!
E acho que foi isso mesmo. Começo a considerar que os militares tenham efetivamente dizimado a intelectualidade brasileira. Nem teve como ser diferente. Havia muito pouco a ser posto ao chão, e em tarefa fácil deve ter se constituído. Brincadeira de criança, subjugar uma elite que acreditava nas flores vencendo o canhão. Ou na música (seja qual for) depondo governos.
O que poderia ter sido mais fácil - e inevitável - que destruir uma intelectualidade que vaiava Tom e Chico?

Postar um comentário

1 Comentários

  1. Um pedido! Tem alguns albuns do Chico pra indicar como melhores?
    De preferencia classificando cada um.
    Aguardo! Abraços. Até mais!

    ResponderExcluir