Ligeira Crônica Solar

Abro, em uns tantos graus a mais, a janela com vidros pintados de preto fosco e recebo o bafo matutino do sol à cara - não existem cortinas no local em que trabalho.
Sei da degeneração e do câncer galopando em seus fótons, contudo nessa manhã de ares ligeiramente frios, sua radiação me chega boa e reconfortante. Prazenteira, como tudo que nos é nocivo. E me deixo um tempo assim, face iluminada.
O trabalho parado enquanto isso. Não há problema. Tenho um ofício inútil, vão, estéril.
Não sou médico, embora igualmente lide com doentes; infectados pela ignorância - um retrovírus mutante ou uma superbactéria, creio eu. Doentes que se afeiçoaram à sua moléstia, moléstia que já se converteu em seus meios de vida. Lido com doentes que não querem ser saneados.
Resolvo ainda ficar assim uns minutos mais, de costas para as pessoas, o sol matando alguns ácaros em minha pele, e a olhar a touceira de alamandas repleta de amarelos.
Meu ócio não prejudicará nem será de falta a ninguém; nada do que deveria ser feito nesses minutos deixará de sê-lo.
Meu trabalho é mesmo improdutivo, não se presta nem a placebo.

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