Cavalo no Cio (Ou : Somos ou Não Somos um País de Quadrúpedes?)

A personagem Da. Cândida, da Escolinha do Professor Raimundo, aluna educada, aplicada, ingênua, pura e recatada, interpretada pela atriz Stella Freitas, está longe de ser uma das primeiras que nos vêm à cabeça quando nos lembramos da saudosa atração televisiva.
Muitos, até, dir-lhe-ão insossa, sem graça, bobinha, uma personagem apenas para fazer volume, para encher horário e linguiça. Nada mais equivocado. Por detrás de toda a candura e pudicícia, Da. Cândida é uma ferrenha crítica das, digamos assim, coisas do Brasil.
Aluna exemplar, Da. Cândida sabe de tudo, fatos e acontecimentos, ciências, história, geografia, política. O mote de sua personagem é ser chamada a dar exemplos de um mesmo certo assunto, selecionado pelo professor, em vários países do mundo. O professor vai perguntando e Da. Cândida vai matando a pau, acertando tudo, França, Inglaterra, Japão... quando chega a vez do exemplo no Brasil, ela também acerta, mas ao se dar conta da discrepância, da disparidade, da inferioridade em relação aos outros, Da. Cândido entra em desespero e cai em prantos. Buáááááá!!!!!!!
Por exemplo :

- Da. Cândida - chama o Professor Raiumundo
- Pois não, professor - Da. Cândida, levantando-se e alisando a saia plissada.
- O assunto, hoje, são estadistas famosos - comunica o professor. -Um famoso estadista francês, Da. Cândida.
- Charles De Gaulle, professor.
- Muito bem... um estadista inglês.
- Winston Churchill.
- Alemão.
- Angela Merkel.
- Brasileiro, Da. Cândida.
- Luis Inácio Lula da Silva... Buááááááááá!!!!!!

Lembrei-me de Da. Cândida por causa de uma notícia me enviada por um amigo, sobre as apresentações lúdicas-peidagógicas-educativas do grupo de dança carioca Cia Suave em quatro escolas da rede pública da cidade do Rio de Janeiro, pelas quais recebeu R$ 50 mil de dinheiro público, ganhos em licitação.
O escabroso fato, prontamente, remeteu-me à Da. Cândida, tanto que até fiz um pequeno esquete que poderia muito bem ser utilizado na Escolinha, caso o programa ainda existisse.

- Da. Cândida, o assunto, hoje, são cavalos ilustres - começa o professor.
- Pois não, professor.
- Diga-me, Da. Cândida, um ilustre cavalo da mitologia.
- Pégaso, professor.
- Muito bem. Um cavalo ilustre da História.
- Bucéfalo, de Alexandre, o Grande.
- Um cavalo ilustre da literatura.
- Rocinante, de Dom Quixote.
- Das histórias em quadrinhos.
- Silver, do Cavaleiro Solitário.
- Um cavalo ilustre do Brasil, Da. Cândida.
- Cavalo no cio... Buááááááááááá!!!!!!!

Pois é, meus amigos, e o cavalo no cio aqui em questão não é o zooator pornô que contracenou com Monica Mattos, autora da célebre frase : chupo pau de cavalo, mas não voto em Bolsonaro. Esse desgosto eu não dou aos meus pais. De onde podemos talvez supor que ela pense que seus genitores morram de orgulho ao vê-la com um trabuco de cavalo na boca.
Não, meus amigos, o cavalo no cio, nesse caso, não é o Alexandre Frota do haras, ou o Long Dong Silver do estábulo.
É o nome do maior sucesso, do grande hit do grupo Cia Suave, justamente a música exibida e encenada para crianças de quatro escolas cariocas de ensino fundamental I, para crianças de até 9 ou 10 anos de idade, portanto.
O fato se deu no dia 22/08, mas só ganhou notoriedade uma semana depois, em 29/08, quando um vídeo no Tik Tok feito por uma das crianças viralizou e causou o assombro e o estupefacto de pais, "educadores" e mesmo do prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD).
No vídeo, uma mulher vestindo uma cabeça de cavalo, rodeada por crianças, dança e rebola pelo pátio da escola e cavalga lascivamente um outro integrante do grupo ao som da lírica letra :

"Vem mulher, vem galopando, que o cavalo tá chamando. 
Vem mulher, vem galopando, que o cavalo está chamando, 
Olha os ‘cavalo’ voltando, olha os ‘cavalo’ voltando, 
Olha os ‘cavalo’ no cio, cavalo taradão. 
O cavalo ficou danado, o cavalo tá de frente, 
O cavalo tá do lado, o cavalo ficou danado. 
Galopa de frente, galopa de lado, 
Ela vai pra frente, ela toma, ela toma, 
Ela vai pra trás, ela toma, ela toma.
Olha os 'cavalo'  voltando, os 'cavalo' no cio. 
Galopa, galopa, galopa, depois senta e rebola. 
Faz a posição, vem de quatro pro negão, 
Que o cavalo tá doidão".


O prefeito Eduardo Paes indignou-se e manifestou seu repúdio nas redes sociais : "Inaceitável. “Eu recebi esse vídeo absurdo aqui e queria entender o que que se passa na cabeça de alguém que acredita que isso aqui é algo que possa ser apresentado para crianças. Eu reagi como qualquer pessoa lúcida que viu essa gravação, com muita indignação e com repúdio. Criança está na escola para estudar, para aprender, para desenvolver habilidades”.
O prefeito já afastou os diretores para apuração dos fatos e o caralho a quatro, fez o que pôde para tirar seu rabo político da reta, mas o fato já foi consumado. Paes diz não entender o que se passa na cabeça de alguém que acredita que isso é algo que se possa ser apresentado para crianças.
Posso tentar explicar, caro alcaide, posso tentar explicar.
A decadência e ruína atuais - e irreversíveis - do ensino brasileiro, a ponto de uma encenação de zoofilia ser levada a crianças, não foi um deslize, uma fatalidade. Tampouco se deu do dia para a noite. Elas são o paciente resultado de uma alquimia perversa que vem sendo elaborada nos fornos, cadinhos e retortas da esquerdalha há cerca de 30 anos. Um projeto muito bem-sucedido.
Alquimia que não é nenhuma fórmula secreta da Coca-Cola e cujos ingredientes principais são facilmente identificáveis por quem, desgraçadamente, trabalha na área : o E.C.A (guia prático para a formação de delinquentes juvenis) + a atual L.D.B (vermelhíssima, paulofreirista, falsamente inclusiva, inclui é o vagabundo em sala de aula) + a desmoralização e desvalorização da carreira de magistério + indicações políticas dos mais incompetentes da área para cargos de chefia e comando. 
Cozinhe esses ingredientes, por 30 anos, na panela do diabo que é a sociedade brasileira e o resultado é : o Cavalo no Cio como parte do currículo escolar.
E isso porque o Cia Suave foi o vencedor da licitação aberta pela Prefeitura do Rio de Janeiro para levar cultura às escolas. Imaginem, então, os que perderam, os que não foram considerados adequados.
Não me admira se a "letra" de Cavalo no Cio virar questão do Enem de 2023. Que se cobre que o aluno faça dela uma análise sintática, métrica e poética, social e antropológica.
Se bem que a música popular sempre teve uma certa afeição pelos equídeos em geral. Inúmeros são os exemplos de nosso cancioneiro. Éguinha Pocotó, De Quem é Esse Jegue?, Cavalo Preto, Cavalo Manco, A Moda da Mula Preta, entre outros.
Até o Rei Roberto, em um de seus clássicos com Erasmo Carlos, rendeu-se a metáforas equestres para descrever uma noite de paixão em sua alcova : 

"Vou cavalgar por toda a noite
Por uma estrada colorida
Usar meus beijos como açoite
E a minha mão mais atrevida
Vou me agarrar aos seus cabelos
Pra não cair do seu galope
Vou atender aos meus apelos
Antes que o dia nos sufoque".

Somos ou não somos um país de quadrúpedes?


Da. Cândida em duas versões. À direita, a original, com Stella Freitas; à esquerda, a da nova Escolinha, com Maria Clara Gueiros.

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6 Comentários

  1. Rapaz, bela recordação a Dona Cândida! Sempre achei a Stella Freitas bastante charmosa e carismática na TV! Deve estar velhinha...
    Aqui no NE, todas as cidades fodidas perderam boa parte da bufunfa do FPM. "Tá faltando tutu para prefeito roubar", podem pensar. Ledo engano. A roubalheira continuará. O que vai acabar é o parco serviço público oferecido.
    Também cortaram centenas de "auxílios" e os CRASs não sabem o motivo. Eu sei: acabou a grana. E está acabando por causa disso: os cavalos taradões sugando a grana pública em prol de uma agenda imbecilizante, dentre outros assombros nacionais.
    Bem... felizmente na escola da minha filha não tem isso. Pago caro para ela não ter esse tipo de lixo em sala de aula. E vida que segue.
    Abraços!

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    1. Também pago escola pro meu filho, pelas mesmas razões que você.

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  2. Sinceramente falando, acho que seu ódio pela esquerda talvez leve algumas pessoas que não são de esquerda a uma rejeição aos comentários que faz, comentários super pertinentes, diga-se. Você parece querer colar um adesivo ou um rótulo “vermelho” em práticas inacreditáveis e até mesmo inaceitáveis. Eu, que não me considero de esquerda nem tampouco de direita sou mais a favor do ditado “não quero saber se o pato é macho ou é fêmea, o que eu quero é o ovo”.
    E o ovo seria um ensino de qualidade excepcional, igual ao que recebi no antigo Colégio de Aplicação da UFMG, fundado em meados da década de 1950. E sabe quando ele deixou de existir? Em 1968, quando era presidente o Costa e Silva. A partir de 1968 a UFMG passou por uma reestruturação e quem resolveu acabar com o Aplicação foi algum amiguinho dos generais.
    Hoje eu vejo o resultado do empobrecimento contínuo do nível cultural das pessoas. A fisioterapeuta que atende minha mulher não sabe nada de nada, mas isso vem de longe, pois conheço uma bióloga fodérrima já na casa dos setenta anos, com mestrado e doutorado, mas cultura humanística zero.
    E que me diz desta notícia? “Material de Tarcísio e Feder ‘ensina’ que Dom Pedro 2º assinou abolição e que capital de SP tem praia”. Isso é tão bizarro que fico tentado a achar que é mais uma fake news
    Então, meu caro Marreta, a vulgaridade, a ignorância e a indigência cultural são pratos principais desse self service da educação no país, independente de quem está na cozinha. Você tem toda razão em tomar remédios tarja preta para suportar essa situação asfixiante. Mas, volto a dizer, pare de se preocupar com rótulos, pois só aumenta a azia.

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    1. Não é um ódio gratuito, é constatação, meu ódio é racional, tem embasamento não só teórico como, principalmente, empírico. Sou darwinista até à medula : o que molda, ao longo dos anos, o caráter de um povo, de uma nação, são as leis que incidem (ou não) sobre ele. O japonesinho, o alemãozinho, o dinamarquesinho etc não nascem educados. São educados pelas leis desses países. No Brasil, deseducados. Todas as mudanças nas leis que regem o ensino no Brasil e que culminaram no império da plebe ignara se deram a partir de 1994, 1996, coincidentemente, mesmo período em que comecei a lecionar com mais efetividade. Período da ascensão da esquerda, portanto, a falência do ensino foi conduzida por mudanças feita pela esquerda, e ponto.
      E pra mim importa sim que o pato seja macho, acho importante dar nome aos bois, pois são esses mesmos bois que, em suas campanhas, falam de pátria educadora etc e depois de eleitos cortam bilhões da educação para gastá-los em verbas para emendas governamentais, como vem fazendo, de novo, o Lula.
      A culpa da ruína do ensino no Brasil é da esquerda e suas práticas, sim!!!!
      Se isso possa a vir desagradar pessoas de esquerda, acho ótimo; se vier a desagradar pessoas que não são de esquerda, ou que preferem acreditar que não, paciência...
      Como disse Juca Chaves uma vez, ao entrar no palco de um programa e não receber nenhuma manifestação de efusividade da plateia : Ainda bem que eu não vivo de aplauso.
      Duvido que um fato desse, do cavalo no cio, acontecesse no governo dos militares, ou mesmo sob o governo do Cavalão.
      Uma qualidade de ensino excepcional? Esqueça, nunca mais veremos isso no Brasil. Uma qualidade de ensino excepcional começa por alunos excepcionalmente interessados em estudar.

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    2. Olha, Marreta, poderia dizer que “sou obrigado a concordar”, mas esta é só uma expressão boba, pois concordo integralmente com você e o Neófito por pagarem escola para seus filhos. E eu ainda concluiria: paguem as melhores escolas que a renda de cada um permitir. Eu tentei fazer isso durante algum tempo, ao manter quatro filhos em um colégio da mega elite da cidade (um dos donos era o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia), mas não consegui, pois era caro demais (e acabei fodendo meus filhos ao colocá-los em escola pública).
      Eu não sei quando o ensino público se deteriorou ou se isso foi um processo lento, só sei que em BH existiam três escolas públicas de altíssimo nível, com as vagas disputadas quase na porrada. O mais famoso e mais disputado era o “Estadual Central”, situado na zona sul da cidade e com instalações projetadas por Oscar Niemeyer. Os outros dois eram o já citado Colégio de Aplicação (também na zona sul) e o Colégio Municipal, situado em um bairro de classe média. Parando para pensar, os dois melhores e mais disputados ficavam justamente em bairros onde os alunos podiam pagar ótimos colégios particulares. E aqui fica outra constatação: os melhores colégios, fossem públicos ou particulares, estavam localizados na zona nobre da cidade. Pés rapados como eu eram exceção. Curioso, não?
      Mas continuo ligeiramente incomodado com seu furor espumante contra a esquerda. Sinceramente falando (pois minha origem é de direita), eu só tenho esse sentimento quando penso na EXTREMA direita ou na EXTREMA esquerda, pois não suporto radicais (Bozo, etc.), venham de onde vierem. Afora isso, convivo de boa com os dois lados, mesmo sabendo que no Brasil cagadas e roubalheiras sempre existirão (por endêmicas), esteja quem estiver no poder. Se não houver um meteoro, estimo em 300 anos para o Brasil começar a se tornar um país decente.
      Para finalizar (mesmo sem querer te deixar bolado) leia a reportagem deste link (fiquei assustado!) https://www.bbc.com/portuguese/articles/cn0gq50glr0o

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    3. E não é só na Coreia, não.
      https://www.instagram.com/p/Ctumn4AurkX/?igshid=MzRlODBiNWFlZA==

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