Cerveja-Feira (76)

Ontem à noite, minha esposa chegou em casa e foi logo dizendo : - quer matar a saudade de Buenos Aires?
Gelei. 
Estaria ela a aplicar, mais uma vez, o famoso golpe do Francis?
O golpe do Francis, o Hime, maestro, compositor e cantor, era como o Chico Buarque chamava o ardil usado pelo amigo para fazê-lo "trabalhar".
Meio preguiçosão, como todo gênio, Chico era dado a se esquivar e a protelar o quanto pudesse os pedidos de Francis para que compusessem juntos.
Francis, então, chegava para Chico com a música já pronta, acabada e arrematada, já toda redondinha, com arranjo, harmonia etc. Diante daquilo, não havia mais como prevaricar da parceria, como continuar a empurrar com a barriga. Só restava a Chico ouvir a música e vesti-la com suas belas letras. Ou seja, Francis punha seu caro amigo frente ao fato consumado, deixando o bardo dos olhos ardósia sem escapatória. Foi assim, por exemplo, com a belíssima Trocando em Míudos.
Aqui em casa, quando viajamos, acomodado e preguiçoso que sou, é sempre na base do golpe do Francis. Minha esposa chega e já me põe diante do fato consumado : - comprei um pacote de viagem assim e assado, para tal lugar, vamos ficar tantos dias, em tal hotel, e a sua parte da fatura é essa. Aí, não tenho como não ir, como colocar obstáculos ou objeções. Foi assim que viajamos para Buenos Aires, em 2008.
Mas não era o golpe do Francis, dessa vez. Ela tirou uma lata de cerveja da sacola com que chegara do mercado e me mostrou : uma lata da argentina Quilmes, cerveja que muito consumimos em nossa estada na capital portenha.
Conhecemos a Quilmes no bairro boêmio de La Boca, num pé-sujo, num cabeça de porco chamado El Samovar de Rasputin, acompanhada por uma porção de parilla e de um tango tocado por um trio de artistas de rua. Tomamos dela aos litros, literalmente. Na ocasião, o chamado litrão ainda não existia por aqui, mas já era corriqueiro em terras cisplatinas.
Pusemos, então, as latinhas por alguns minutos no congelador, para recuperarem um pouco o "gelo" perdido no caminho do mercado até em casa.
Desilusão, desilusão, danço eu, dança você, na dança da solidão...
Aguada pra cacete! Meu mijo tem maior teor alcoólico e gosto de cerveja que aquela Quilmes, que não correspondia à memória que eu tinha dela, nem passava perto.
Teria a Quilmes decaído tanto em qualidade ou a questão era eu? Será que ela sempre fora essa água de milho em conserva e eu gostara dela por conta de todo o clima da viagem, do ambiente, do tango à calçada? Quando viajamos ficamos mais propensos e receptivos a gostar de coisas que, normalmente, em nada nos apeteceria. Até como uma maneira, ainda que inconscientemente, de fazermos valer o custo da viagem.
Ou será que a Quilmes piorou muito mesmo? Será que teve que depreciar sobremaneira a qualidade de seus insumos e matérias-primas para manter um preço acessível ao consumidor, haja vista a quebradeira e a bancarrota em que o país foi jogado pelo presidente esquerdinha?
Não tenho como saber. Só voltando lá. 
Li, então, as informações do rótulo. Fabricada em Jaguariúna, SP, mesmo lugar em que são produzidas a Antarctica e a Sub zero, e sob a batuta da Ambev. 
Tentei ainda, em nome dos velhos tempos, e para não macular uma boa recordação, criar um clima. Para a segunda latinha, peguei um canecão caprichado, coloquei ao lado um balangandã comprado pela esposa numa feira de artesanato de um casal dançando um tango, pus Por Una Cabeza no toca-CD, imaginei-me em plena Praça de Maio e dei outra talagada. 


Em vão. Não teve jeito. A mesma coisa. Aguada pra caralho. Altamente desaconselhável. Essa não recebe o selo ISO-Azarão de Boa e Barata.
Inclusive, para mais detalhes e para ver a latinha da Quilmes ser trucidada pelo meu poderoso Marretão, é só clicar aqui, As Boas e Baratas do Azarão - Episódio 9 - Não Chores Por Mim, Argentina.

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3 Comentários

  1. Olá, Marreta. Ela fez muito bem. Aproveite bastante e tome uma no Puerto Madero etc. A Argentina ainda é um bom destino turístico. Quanto a Quilmes... não gosto. Não é bem que não gosto. É algo que eu não compro. Mas tomo de bom se me oferecem. Abraços!

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  2. Sinceramente, só agora notei a escultura dos dançarinos e achei super legal. Se eu ainda tivesse saco e inspiração, daria para fazer uma HQ ou um cartoon com dois insetos dançando tango, talvez duas cigarras.
    A propósito, tenho sentido vontade de beber um copo de cerveja! Já pensou eu chegando naqueles copo sujo e pedindo: "traz aí uma Jota Beer estupidamente gelada"? Devo estar sonhando ou o Alzéimer bateu na porta!

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    1. Pois tome uma cervejinha, num copo americano Nadir Figueiredo. Só não pode ser a Belorizontina.
      Jota Beer ficou muito bom. Que tal pensar num rótulo pra ela?

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