Ontem à noite, minha esposa chegou em casa e foi logo dizendo : - quer matar a saudade de Buenos Aires?
Gelei.
Estaria ela a aplicar, mais uma vez, o famoso golpe do Francis?
O golpe do Francis, o Hime, maestro, compositor e cantor, era como o Chico Buarque chamava o ardil usado pelo amigo para fazê-lo "trabalhar".
Meio preguiçosão, como todo gênio, Chico era dado a se esquivar e a protelar o quanto pudesse os pedidos de Francis para que compusessem juntos.
Francis, então, chegava para Chico com a música já pronta, acabada e arrematada, já toda redondinha, com arranjo, harmonia etc. Diante daquilo, não havia mais como prevaricar da parceria, como continuar a empurrar com a barriga. Só restava a Chico ouvir a música e vesti-la com suas belas letras. Ou seja, Francis punha seu caro amigo frente ao fato consumado, deixando o bardo dos olhos ardósia sem escapatória. Foi assim, por exemplo, com a belíssima Trocando em Míudos.
Aqui em casa, quando viajamos, acomodado e preguiçoso que sou, é sempre na base do golpe do Francis. Minha esposa chega e já me põe diante do fato consumado : - comprei um pacote de viagem assim e assado, para tal lugar, vamos ficar tantos dias, em tal hotel, e a sua parte da fatura é essa. Aí, não tenho como não ir, como colocar obstáculos ou objeções. Foi assim que viajamos para Buenos Aires, em 2008.
Mas não era o golpe do Francis, dessa vez. Ela tirou uma lata de cerveja da sacola com que chegara do mercado e me mostrou : uma lata da argentina Quilmes, cerveja que muito consumimos em nossa estada na capital portenha.
Conhecemos a Quilmes no bairro boêmio de La Boca, num pé-sujo, num cabeça de porco chamado El Samovar de Rasputin, acompanhada por uma porção de parilla e de um tango tocado por um trio de artistas de rua. Tomamos dela aos litros, literalmente. Na ocasião, o chamado litrão ainda não existia por aqui, mas já era corriqueiro em terras cisplatinas.
Pusemos, então, as latinhas por alguns minutos no congelador, para recuperarem um pouco o "gelo" perdido no caminho do mercado até em casa.
Desilusão, desilusão, danço eu, dança você, na dança da solidão...
Aguada pra cacete! Meu mijo tem maior teor alcoólico e gosto de cerveja que aquela Quilmes, que não correspondia à memória que eu tinha dela, nem passava perto.
Teria a Quilmes decaído tanto em qualidade ou a questão era eu? Será que ela sempre fora essa água de milho em conserva e eu gostara dela por conta de todo o clima da viagem, do ambiente, do tango à calçada? Quando viajamos ficamos mais propensos e receptivos a gostar de coisas que, normalmente, em nada nos apeteceria. Até como uma maneira, ainda que inconscientemente, de fazermos valer o custo da viagem.
Ou será que a Quilmes piorou muito mesmo? Será que teve que depreciar sobremaneira a qualidade de seus insumos e matérias-primas para manter um preço acessível ao consumidor, haja vista a quebradeira e a bancarrota em que o país foi jogado pelo presidente esquerdinha?
Não tenho como saber. Só voltando lá.
Li, então, as informações do rótulo. Fabricada em Jaguariúna, SP, mesmo lugar em que são produzidas a Antarctica e a Sub zero, e sob a batuta da Ambev.
Tentei ainda, em nome dos velhos tempos, e para não macular uma boa recordação, criar um clima. Para a segunda latinha, peguei um canecão caprichado, coloquei ao lado um balangandã comprado pela esposa numa feira de artesanato de um casal dançando um tango, pus Por Una Cabeza no toca-CD, imaginei-me em plena Praça de Maio e dei outra talagada.
Em vão. Não teve jeito. A mesma coisa. Aguada pra caralho. Altamente desaconselhável. Essa não recebe o selo ISO-Azarão de Boa e Barata.
Inclusive, para mais detalhes e para ver a latinha da Quilmes ser trucidada pelo meu poderoso Marretão, é só clicar aqui, As Boas e Baratas do Azarão - Episódio 9 - Não Chores Por Mim, Argentina.
3 Comentários
Olá, Marreta. Ela fez muito bem. Aproveite bastante e tome uma no Puerto Madero etc. A Argentina ainda é um bom destino turístico. Quanto a Quilmes... não gosto. Não é bem que não gosto. É algo que eu não compro. Mas tomo de bom se me oferecem. Abraços!
ResponderExcluirSinceramente, só agora notei a escultura dos dançarinos e achei super legal. Se eu ainda tivesse saco e inspiração, daria para fazer uma HQ ou um cartoon com dois insetos dançando tango, talvez duas cigarras.
ResponderExcluirA propósito, tenho sentido vontade de beber um copo de cerveja! Já pensou eu chegando naqueles copo sujo e pedindo: "traz aí uma Jota Beer estupidamente gelada"? Devo estar sonhando ou o Alzéimer bateu na porta!
Pois tome uma cervejinha, num copo americano Nadir Figueiredo. Só não pode ser a Belorizontina.
ExcluirJota Beer ficou muito bom. Que tal pensar num rótulo pra ela?