Azarão, o Sangue Bom

Sempre tive a clara e plena convicção de que descendo de estirpe nobre, de que, ainda que já em tons e matizes esmaecidos e desbotados, corre boa parcela de sangue azul em minhas veias. E o que eu sempre soube por instinto, a ciência agora confirmou.
Mas, antes, explico, num não tão breve assim parênteses.
Doo sangue desde o ano de 2000. Comecei para impressionar e garfar uma buceta, como já narrado aqui em Doe Sangue, Salve Vidas. Depois de logrado o sucesso, mantive o hábito de três ou quatro doações anuais. Primeiro porque, bem ou mal, acabo mesmo por ajudar algumas pessoas, e segundo porque me ajudo, também. Sendo funcionário público, tenho dispensa de ponto no dia da doação.
Existem vários sistemas de classificação sanguínea. Os dois mais corriqueiros e usuais são o sistema ABO, aquele que diz se nosso sangue é do tipo A, B, AB ou O, e o sistema Rh, que nos informa se ele é positivo ou negativo. 
Classificar o sangue, a grosso modo, nada mais é que o diferenciar a partir de um critério, de uma referência, de um parâmetro baseado em substâncias (proteínas, geralmente) que podemos ter ou não aderidas nas superfícies de nossos glóbulos vermelhos.
O ABO, por exemplo, classifica o sangue humano de acordo com a presença, ou a ausência, das proteínas antígeno A e antígeno B em nossas hemácias. O sujeito cujo corpo produz apenas o antígeno A, é do grupo A; o que produz só o antígeno B, do grupo B; o que produz os dois antígenos, grupo AB; e aquele que não produz nem um nem outro, grupo O.
O sistema Rh é ainda mais simples. Fundamenta-se apenas em uma substância, o antígeno D. Se você tem o gene para sintetizá-lo, você é Rh+; caso contrário, Rh-. Eu, por exemplo, sou O+, o que significa que eu não produzo os antígenos A e B e sintetizo o antígeno D.
O segredo para o troca-troca das transfusões não dar merda é nunca dar ao receptor um sangue que contenha um antígeno que o corpo dele não produza naturalmente, cuja receita não esteja em seu código genético. A exemplo, se uma pessoa do grupo A - que só produz o antígeno A - receber um sangue do tipo B, o seu sistema imunológico vai reconhecer o antígeno B do doador como um corpo estranho, atacá-lo com uma legião de anticorpos e destrui-lo, solidificá-lo, transformá-lo em coágulos, que poderão levar à obstrução de veias e artérias e levar o receptor a óbito.
Porém, existem outros sistemas de classificação sanguínea, menos usados e perigosos em caso de transfusão equivocada. Eu conhecia apenas o sistema MN.
Então, ontem, e aqui termina o parênteses, recebi a seguinte mensagem da unidade do hemocentro em que costumo fazer minhas doações.


Que eu sou especial, também sempre soube, mas, curioso, retornei a mensagem, perguntei o que era exatamente esse sangue especial. Responderam :


Pãããããããta que o pariu!!!! Tenho ou não tenho sangue raro e nobre?!?!?! Sou ou não sou, a despeito de meus detratores, um autêntico sangue bom?
Dei uma pesquisada, que necessito aprofundar, sobre o tal sistema Kell, e ele é complicadíssimo, baseia-se não em um ou dois antígenos, mas em 36 e, em escala mundial, apenas 8% dos caucasianos o possuem.
Porém, como o Universo não é justo, o mundo estará privado dessa preciosidade, desse verdadeiro rubi líquido por tempo indeterminado. Por conta do uso contínuo de medicamentos antidepressivos de que venho fazendo uso, fico impedido de doar sangue enquanto se mantiver a terapêutica.
Agora, só me resta sonhar para que algum bilionário da informática, que algum sheik do petróleo, tenham um problema extremo de saúde, que necessitem de meu agraciado tipo sanguíneo e se disponham a pagar alguns milhões de dólares e petrodoláres por umas bolsas da minha seiva milagrosa.
Aí, eu paro com o tratamento na hora. Até porque, com alguns milhões no bolso, exonero, evito o convívio humano e nunca mais precisarei tomar antidepressivos.

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7 Comentários

  1. Ô sanguebom, gostei muito desta postagem e o final foi perfeito. Mas vou te contar dois casos de sangue "bom". Meus filhos herdaram da mãe uma ou duas mutações genéticas causadoras da hemocromatose. O O mais velho tem as duas e em determinado momento o nível de ferritina estava altíssimo e foi obrigado a fazer sangria. E aí é que mora a tristeza: esse sangue riquíssimo em ferro é descartado e não pode ser usado para transfusão para, por exemplo, portadores de leucemia ou hemofilia. Sempre fico triste quando penso nisso, O outro caso aconteceu com a primeira esposa do meu tão falado amigo Pintão. Ela morreu em consequência de uma transfusão, ao receber um sangue errado. Agora, quanto aos petrodolares torço para que dê certo, para que você não fique apenas uma voz que clama no deserto. Abraços.

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  2. Gostei da aula de biologia.
    Tb doo sangue em torno de 2x por ano. Além de ajudar os demais, acho q a renovação sanguínea nos traz algum benefício. Nunca uso o dia de folga pq não bato ponto.
    Acho q mesmo isolado dos demais, sua depressão persistiria. Acredito realmente que depressão eh algo intrinseco às pessoas que dela padecem.
    Abraços

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    1. Rapaz, há quanto tempo não ouço isso, "gostei da sua aula".
      Sim, também penso que sempre fui e serei deprimido e ansioso, com fases melhores e fases piores. Mas o ambiente aciona vários gatilhos. Acho que é meio como o alérgico, ele sempre será alérgico, mas num lugar menos empoeirado, ele se sente melhor.
      Em tempo: tentei comentar no seu blog e não consegui, apareceu uma mensagem que tem que ser associado ou coisa assim.

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    2. Estou mantendo o blogue com comentários restritos a inscritos. Mas não tenho nenhum inscrito. É apenas uma forma de evitar comentários desagradáveis por lá. Infelizmente, algumas pessoas nada tem a fazer a não ser encher o saco alheio. Em nosso país, abundam pessoas desocupadas, marmanjos que não trabalham nem estudam. Assim, podem passar o dia todo procurando encrenca e dando chiliques. E francamente não tenho tempo para chiliquentos cujo humor varia de acordo com a fase lunar. Não aguento aporrinhação nem de parente, quanto mais de estranho que conheço apenas pela internet. Então, como o blogue anda parado mesmo, resolvi bloquear comentários por um tempo. Há a opção de moderar, claro. Mas é que até isso dá trabalho. Abraços!

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    3. Até imagino quem seja. Ele também voltou a assombrar por aqui de vez em quando.
      Mas adote a moderação de comentários pelo menos, afinal, por causa de um não compensa ficar sem os comentários de outros.
      Abraço

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    4. De qualquer forma, ando focando mais no canal. Deixarei o blogue hibernar mais um pouco.

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