Pode Ser Numa Canção, Pode Ser no Coração, Eu Só Quero Ter Você Por Perto (21)

A arte vem em ondas como o mar!
Expressionismo, cubismo, surrealismo, parnasianismo, realismo, simbolismo, bossa nova, tropicália.
Há, porém, e ainda bem, os que não se ajustam a nenhuma patota, a nenhum clã, os talentosos de um homem só. Os que caminham com seus cajados de vate pelo acostamento das vias expressas e pedagiadas, os outsiders, os malditos - e benditos eles sejam.
Há alguns desses lobos solitários na MPB, algumas dessas singularidades. Músicos que atuam há décadas sem se deixarem colar nenhum rótulo, etiqueta ou código de barras, os quais já transitaram e já foram trespassados por vários movimentos, e não embarcaram em nenhum desses trens.
Oswaldo Montenegro é um desses abençoados malditos. Ele não é bossa nova, não é tropicália, não é pop, não é rock brasil. Oswaldo Montenegro, em suma, é um menestrel. E menestréis são almas livres por demais e ególatras muito plenos para viverem em grupos, em tribos.
Gosto muito do Oswaldo Montenegro.
Sobretudo, da maneira com que ele expressa sua relação com a saudade, de como ele lida e encara a falta e o vazio dos amores perdidos, desfeitos, não correspondidos, não concretizados, separados sem se desamarem. Gosto da serenidade (diferente de conformismo barato) dele frente à finitude, diante do perecível das relações amorosas, o entendimento de que mesmo o eterno tem seu prazo de validade.
Oswaldo Montenegro canta a saudade não como um sofrimento, não como uma dor fantasma em membro amputado, tampouco com algum tipo ou laivo de arrependimento por um dia ter amado tanto e, agora, privado do objeto de tanta dedicação e devoção, deixa-se lancinar pelo martírio.
Pelo contrário. Oswaldo Montenegro canta a saudade com um sentimento de gratidão, de tempo e coração bem empregados. Como um reconhecimento sincero pelo sentimento renascido belo do tosco e árido casulo da perda, do abandono, da traição, do desquerer. Ou, como diz outro letrista (subestimado pelos "inteligentinhos"), Peninha : "ter saudade até que é bom, é melhor que caminhar vazio".
Dia desses, então, no banco do carona, com minha esposa a dirigir, rádio ligado no spotify, fiquei a conhecer uma canção de Oswaldo Montenegro, para mim, inédita.
A canção "Sim". Que, depois de pesquisar, descobri fazer parte da trilha sonora, composta unicamente por Oswaldo Montenegro, para o filme "O Perfume da Memória", película também escrita e dirigida por ele. Sim, Oswaldo Montenegro é músico, dramaturgo, cineasta e também se arrisca nos pincéis nas horas vagas.
A canção me pegou de calças curtas, no contrapé. Tocou-me sobremaneira.
Não vou dizer que ela se tornará um clássico do bardo, feito Travessuras, Bandolins, Agonia, Lume de Estrelas, A Lista, Se Puder, Sem Medo, Rasuras, Aquela Coisa Toda, entre outras. Até porque vivemos em tempos frenéticos e pouco atentos, tempos de ultravelocidade rumo ao nada, tempos não propícios à sedimentação de novos clássicos. Mas que "Sim" é um vinho de boníssimas safras e cepas, não duvidem.
É uma ode de agradecimento pelo amor extinto, não mais viável, que fossilizou-se em bruta saudade.
A canção é lírica, bucólica. É possível ouvir o tropel dos cascos de bode de Pã pisoteando a relva macia e orvalhada em perseguição à bucetinha de uma ninfa dos bosques.
A música é um andor construído de flautas e alaúdes para bem acomodar e carregar a santidade da igualmente bela letra.
"Sim, se não for pra sempre,vai ficar pra sempre que a gente lembrar..."
Pãããããta que o pariu!!!! Vou chorar... desculpem mas eu vou chorar.

SIM
(Oswaldo Montenegro)
Sim, sinos na capela
Alguém vai casar
Não sou eu nem ela
Mas vamos dançar
Sim, como o pôr do sol
Ninguém vai fazer
Que possa durar
Sim, se não for pra sempre
Vai ficar pra sempre
Que a gente lembrar
Sim, flores na janela
Alguém vai passar
Sem olhar pra ela
Mas vai se lembrar
Sim, o cheiro da flor
Que ficou no vento
Que não está mais lá
Sim, se não for pra sempre
Vai ficar pra sempre
Que a gente lembrar
Sim, o cheiro da flor
Que ficou no vento
Que não está mais lá
Sim, se não for pra sempre
Vai ficar pra sempre
Que a gente lembrar


Para escutar a canção, é só clicar no meu apaziguado MARRETÃO.
E já que não tenho o talento de Oswaldo Montenegro, um dia, quero ter os cabelos e a barba brancos desse jeito.

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2 Comentários

  1. Rapaz, você foi tão lírico neste texto quanto o menestrel que você quis homenagear! Muito bom. E vou dar um spoilerzinho: usei a palavra outsider em um texto do marcador "Memória" que terminei ontem à noite. Acho que ficou legal, ainda que grande para o padrão Blogson (quatro páginas). O título é "Herbert e Pawel". Talvez eu divida em dois posts: um Herbert e outro Pawel. Que acha?

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    1. Se for para a leitura ficar menos cansativa, dívida em dois sim. Além disso, ao invés de uma, renderá duas postagens.

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